Enquanto líderes das maiores potências do globo discutiam em Glasgow, na Escócia, alternativas para reduzir emissões de gases de efeito estufa, uma empresa catarinense apontava soluções para um segmento da indústria, o têxtil, que costuma conviver em conflito com o meio ambiente – é responsável por 10% das emissões de gás carbônico (CO2) no mundo e por 20% da poluição industrial das águas.

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A Malwee, de Jaraguá do Sul, lançou durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), na última semana, um novo plano com ousadas metas sociais e ambientais a serem colocadas em prática até 2030. Foi a segunda vez que a tradicional companhia têxtil participou do evento. A primeira havia sido em 2019.

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O documento, construído a várias mãos, determina que a empresa reduza em 50% a emissão de gases de efeito estufa, como o CO2, ao longo desta década em suas operações internas – em complemento a uma queda de 75% já verificada entre 2015 e 2020, quando um primeiro plano foi lançado. Para a cadeia de valor, que inclui materiais e serviços comprados por peça de roupa produzida, a meta é baixar em 58%.

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O grupo também se comprometeu a ter, até 2030, 100% dos produtos fabricados com matérias-primas ou processos com menor impacto ambiental, a reduzir em 30% o consumo de água, a eliminar o uso de plástico de origem fóssil em embalagens de produtos e a promover a reciclagem e a logística reversa em todas as etapas da produção.

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No campo social, estabeleceu como meta para esse período a equidade de gênero em níveis de liderança e a ampliação da representatividade de negros no quadro geral de funcionários para pelo menos 35% – em 2020 eram apenas 0,6%.

As medidas buscam reforçar o protagonismo da Malwee no assunto. Antes mesmo da preocupação ambiental “ser moda”, a empresa já dava exemplo. Em 2008, desenvolveu roupas feitas com malha PET. Três anos depois, começou a usar algodão feito com retalhos de tecido. Também foi a primeira indústria da América Latina a implantar uma lavanderia jeans com tecnologia que permite produzir peças com apenas um copo d´água – no método tradicional, o consumo médio é de 100 litros. 

Em 2015, foi a primeira empresa do ramo no Brasil a lançar um plano estratégico de sustentabilidade com objetivos e metas para cinco anos. Em 2019, tornou-se a primeira marca de moda brasileira a assinar um compromisso global (Business Ambition for 1.5°C: Our Only Future) lançado pela ONU para que empresas se comprometessem a reduzir a emissão de gases e limitar o crescimento do aquecimento do planeta.

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À frente de muitas destas transformações está Guilherme Weege, que herdou a cadeira de presidente da Malwee do pai, Wandér, em 2011. O entusiasmo pela bandeira da sustentabilidade não fica restrito à empresa da família. O executivo também é embaixador pelo clima da Rede Brasil do Pacto Global da ONU e um provocador quando o assunto é engajar outras empresas a seguirem pelo mesmo caminho. Não à toa a companhia está lançando uma espécie de laboratório de inovação, justamente para compartilhar ideias e criar um ambiente colaborativo com foco em soluções que preservem o meio ambiente.

Depois de participar de um painel na COP-26 que abordou como empresas estão se preparando para o futuro carbono neutro, Guilherme retornou ao Brasil no início desta semana. Na segunda-feira (15), concedeu entrevista exclusiva à coluna. Falou do que viu no evento e quais são os próximos passos da Malwee na jornada pela sustentabilidade.

O que a Malwee, uma empresa catarinense, disse para o mundo na COP-26?

Em 2019 a gente foi contar um pouco dos resultados do plano de 2015 a 2020. Dessa vez fizemos o lançamento do nosso plano para 2030, que vem de muito aprendizado, do que conseguimos fazer. 

Eu sempre falo que é chato trabalhar em uma indústria que é a segunda que mais polui. E só se muda essa história levando transparência para o consumidor. 

O novo plano vai desde continuar fazendo as coisas cada vez mais sustentáveis, mas também colocar o consumidor dentro dessa jornada. É algo contraintuitivo. Fazer uma compra de um produto de vestuário em tese deveria aumentar a nossa autoestima, não lembrar que por trás existe uma indústria poluente. Fomos mostrar que é possível mudar, muito em cima do que já conseguimos fazer em termos de redução de emissões e uso de água no nosso segmento.

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Qual o balanço do primeiro plano?

Nos surpreendeu de duas formas. Uma é como o time interno se engajou. Não é mais algo da alta liderança procurando os projetos. As ideias vinham de todo lado. Atingimos a grande maioria das nossas metas. CO2 foi um exemplo. Queríamos, em cinco anos, reduzir a emissão de 20% a 25%. Reduzimos em 75%. Também reduzimos em 36% o uso de água por peça, a meta era de 15% a 20%. Isso não conta outras iniciativas que lançamos depois, como o jeans feito com um copo d’água. Se for para dar uma nota, poderia ser um 9 ou um 10. 

O que falta agora é a capacidade do setor como um todo fazer o mesmo. Mas não olhar isso como marketing. Tem gente que começa porque é sexy, é o tema que está todo mundo falando, mas tem pouca iniciativa por trás. 

Por isso, dentro desse plano, lançamos agora um hub, onde vamos abrir as portas para que os concorrentes e outras marcas vejam o que a gente já fez e o que é possível eles fazerem imediatamente. É pelo propósito.

Redução de CO2 e consumo de água foram os primeiros passos do plano de sustentabilidade. Onde a Malwee quer chegar com essas novas metas para 2030?

Tem obviamente mais do mesmo. Você precisa tratar água. Mas tem muita coisa nova. Estamos tratando a diversidade como um tema bem mais completo. Sobre CO2, a meta agora, além dos 75%, é reduzir mais 50%. Falar sobre isso é complicado porque existe um mundo de crédito de carbono. 

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É bacana e louvável que empresas escolham pagar para se neutralizar, mas não tem crédito de carbono para todo mundo, se não dinheiro resolveria o problema. 

O que a gente propõe não é comprar crédito de carbono, mas usar inovação e processos diferentes para de fato gerar uma menor emissão, não emitir e simplesmente compensar depois. Foram seis meses fazendo esse plano novo, com entidades do nosso setor que participaram da construção, além de fornecedores, consumidores, franqueados e lojistas.

É um plano mais voltado para o consumo consciente enquanto o primeiro estava mais focado em processo produtivo?

O último estava muito interno, que é o que mais gera efeito no início. A camiseta que eu estou usando aqui leva amaciante de cupuaçu, então não tem químico. A gente lançou recentemente um tingimento com amora, usando as folhas, o caule e a fruta, conseguindo algumas cores com esse tingimento. Obviamente tem muito valor olhar para dentro de casa, para produzir de forma diferente. O jeans é outro exemplo. Está se usando, na hora de fazer a lavanderia, um copo d’água, quando a média do mercado é de 100 litros. São 99,8% de redução. Mas sim, tem muito mais o papo de trazer o consumidor. 

Se a gente conseguir mudar a cabeça do consumidor, mostrar o poder que ele tem de questionar as suas marcas de preferência, a indústria por trás vai mudar muito rápido.

Algumas estão mudando pelo amor, por propósito, que é o nosso exemplo. Me perguntam se é mais caro produzir de forma sustentável. Em muitos desses casos até não é, mas dá muito mais trabalho, com mais energia envolvida. É muito mais simples comprar um químico de mercado e usar em um processo do que pensar de forma diferente, fazer parcerias com fornecedores. Mas depois, como no caso do próprio jeans, fica até mais barato de produzir do que da forma convencional. O setor vai mudar quando tiver bons exemplos. Essa é justamente a nossa ideia com esse novo projeto de hub, de abrir as nossas portas para que outras empresas consigam fazer o mesmo.

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A empresa já tinha um olhar para a sustentabilidade ambiental muito antes desta pauta dominar o noticiário e influenciar relações comerciais entre países e entre empresas e consumidores. De onde vem essa preocupação?

Para mim é algo natural porque eu sempre vi isso aqui dentro. A empresa foi fundada em 1968 e o Parque Malwee é de 1978. O parque é mais velho do que eu. Ele é o maior símbolo do nosso compromisso com o meio ambiente. Quando eu entrei mais na parte da gestão, por volta de 2004, um pessoal do industrial foi me mostrar duas máquinas. Uma, chutando, custava R$ 1 milhão e outra custava R$ 1,2 milhão, mas com economia de água e energia. E eu fiz a pergunta: mas a economia que eu vou ter de água e energia vai pagar essa diferença de R$ 200 mil? O cara me olhou torto, dizendo que não iria pagar, mas que ela economizava água e energia. Ou seja, era óbvia qual era a escolha, independentemente do preço. Essa foi a empresa que eu herdei e assumi. Já tinha uma preocupação que não era simplesmente a pessoa lá de cima falando para onde a gente tinha que ir. Já estava no dia a dia. 

A questão agora é como a gente envolve outros stakeholders, os milhares de clientes e lojistas que a gente tem, colocar isso como pauta para trazer novos franqueados para os negócios, como tornar essa pauta mais urgente. 

É olhar um pouco mais para fora do que simplesmente fazer os processos de forma mais sustentável. O meu desafio é manter essa chama acesa sempre.

A Malwee quer se posicionar no mercado como uma empresa que pode liderar essa discussão no Brasil, ao menos no setor têxtil?

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Sim. Aos nossos olhos a gente já vem liderando esse tema há algumas décadas. Falamos disso quando ninguém tinha esse interesse. Isso na prática exige algumas escolhas. Lá atrás não vendíamos máquinas usadas. A gente desmontava e usava as peças em outras máquinas justamente para o concorrente não ter acesso àquele tipo de maquinário. Era superfechado, coisa de segredo industrial. 

Hoje a transparência é um tema muito relevante, falamos dos nossos números, daquilo que a gente já conseguiu melhorar e mudar e também daquilo que não conseguimos avançar na velocidade que queríamos. Colocamos a transparência como um dos pilares fundamentais de tudo que a gente se propôs a fazer. 

Alguns anos depois estávamos em um ranking como a empresa mais transparente do Brasil no nosso setor e continuamos sendo. No primeiro ano a gente estava entre as 10 empresas de moda mais transparentes do mundo. Hoje estamos entre as 20 porque tem mais empresas. Tem muita coisa que obviamente seria considerado um segredo e que a gente não gostaria de divulgar, mas que faz parte dessa escolha de ser transparente e ter de fato, dentro da nossa agenda, a liderança das discussões e da mudança no nosso setor.

Do ponto de vista financeiro, a sustentabilidade já é algo lucrativo para uma empresa como a Malwee ou ainda é uma pauta mais de responsabilidade social?

Tem coisas que é difícil de medir, como quanto o consumidor está procurando as nossas peças justamente porque já enxerga essa preocupação de sustentabilidade. Mas o que a gente já afirma está baseado em outros aspectos. Por exemplo, o recrutamento e a atração de talentos. É impressionante como aumentou a procura pelas vagas de alguns anos para cá quando decidimos falar mais sobre esse assunto. A gente acaba atraindo cada vez mais gente alinhada a esse propósito. E é muito difícil perder talentos para o mercado em um momento onde isso é um problemão para todas as empresas. Essa já é uma grande medição de um indicador e reflexo do nosso propósito. Todos os nossos fornecedores, vendo que a gente lidera essa agenda, nos procuram antes de lançar alguma coisa. Isso também é outro indicador de sucesso, ser procurado para inovações da cadeia que nos envolve. No consumo, vemos muita fidelidade e índice de recorrência de clientes. Em relação a empresas com quem a gente se compara, resultados de testes de laboratório mostraram que nossas peças perdem menos cor, ou leva mais tempo para uma peça perder cor e qualidade. A durabilidade dela é maior. Então a recorrência é maior porque a gente estimula o consumo consciente, para que a roupa seja usada por mais tempo. Mas você precisa ter qualidade. 

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Em países desenvolvidos, 40% das pessoas entre 18 e 29 anos analisam, antes de comprar uma peça de moda, o seu preço de revenda. A gente faz isso com carro aqui no Brasil enquanto os jovens estão fazendo isso com roupa lá fora. 

Eles entram nos brechós online e comparam as peças de marcas. As que mantêm mais valor são justamente as que têm mais qualidade. O fast fashion tem que ser barato porque vou comprar e inutilizar muito rápido. É contra isso que a gente briga. Uma das nossas estratégias é fazer produtos e coleções mais atemporais para que aquilo possa ser usado por mais tempo.

A empresa está criando um laboratório de inovação (Malwee Transforma) para desenvolver produtos e processos que utilizem da melhor maneira possível os recursos naturais. Como vai funcionar na prática?

É pegar um pouco daquilo que já existe, das nossas inciativas de inovação, e transformar em processos mais robustos e parcerias mais longevas com o nosso mercado, fornecedores e tudo mais. Mas a diferença é justamente criar um espaço online, e a partir do ano que vem físico, para acelerar mais essas trocas. 

Já teve muita iniciativa nossa que a gente tentou, gastou dinheiro e não deu certo. Será que não tem alguém no mercado que consegue pegar essas ideias e viabilizar? A gente não pode olhar sustentabilidade de forma a atender um nicho. Ela precisa ser mainstream.

Você acabou de voltar da Cop-26, que talvez tenha sido o evento sobre discussão do meio ambiente mais midiático dos últimos anos. O que mais lhe chamou a atenção lá?

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Foram algumas coisas. Acho que a primeira foi o tamanho da comitiva brasileira. Tinham mais ou menos mil brasileiros lá. E não estou falando de governo, mas de uma somatória de tudo. Vi muito governador, senador, deputado, tinha muita gente do setor privado. A segunda é que a gente começa a ver muito mais ações para serem replicadas do que simplesmente pedidos por mudança. Então já tem hoje um pouco do como fazer, havia interesse em sair com alguma ação prática. A gente talvez não viu isso na Espanha (sede da COP-25, em 2019). Era um sentimento que se tinha, que essa COP tinha que dar bastante resultado. E acho que está no caminho para que isso aconteça. Agora tem propostas claras. Tem coisas que já se sabiam que seriam frustrantes, como Austrália, Estados Unidos e China não assinarem a redução do uso de carvão, mas teve avanços na questão política também.

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