O industrial Armando Hess de Souza costuma dizer que nasceu dentro de uma fábrica. E não é força de expressão. Ele veio ao mundo em 1957, mesmo ano em que o pai, Rodolfo (o Duda), e a mãe, Adelina, fundaram a Dudalina em Luiz Alves. O sétimo dos 16 filhos do casal respirou a camisaria da família da tenra idade até assumir a presidência da empresa, onde ficou por 13 anos. Nesse período, revela, aprendeu a se apaixonar pela atividade têxtil.

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Desde 2014, no entanto, Armando pensa mais em toalhas e edredons do que em camisas. Naquele ano, capitalizados pela venda, alguns meses antes, da Dudalina a fundos de investimento americanos, ele e o irmão Rui, com mais dois sócios, chegaram a um acordo para assumir a gestão da blumenauense Karsten. O momento não era dos melhores. A já centenária fabricante de artigos de cama, mesa e banho enfrentava sérias dificuldades financeiras.

Os novos sócios chegaram aportando R$ 35 milhões no caixa. Promoveram mudanças na estrutura de gestão, com trocas de diretores, revisaram processos, enxugaram pessoal, chegaram a desativar uma unidade produtiva no Nordeste que não dava resultado e renegociaram uma dívida milionária que ameaçava a sobrevivência do negócio.

— Tínhamos um consórcio de credores muito duros. Nós nos posicionamos da seguinte maneira: sem uma efetiva negociação, eles não iriam receber nada e a empresa não iria para frente — conta.

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Menos de uma década depois, as mudanças se refletem na operação da empresa. A Karsten encerrou 2021 com receita operacional líquida de R$ 550 milhões. No mesmo ano, abriu uma fábrica em Ibirama que hoje emprega cerca de 150 pessoas. A plataforma de vendas pela internet vem ganhando corpo e a companhia está ampliando terreno no varejo. Já são 11 lojas próprias e três novas que estão por vir ainda em 2022.

A sexta empresa mais longeva do Brasil está completando 140 anos neste mês de setembro. As comemorações incluem a inauguração de uma ampliada loja de fábrica no dia 29, passeio de trem pelo parque fabril e até um baile onde todos os 3 mil funcionários foram convidados. Na entrevista abaixo, concedida na última quarta-feira (21), Armando fala da chegada na Karsten, de como a empresa passou pela pandemia e dos investimentos previstos para os próximos anos.

Em 2014 o senhor e outros sócios decidiram comprar uma parte da Karsten, mesmo com a empresa enfrentando dificuldades financeiras na época. Que oportunidade identificaram?

Desde sempre eu tenho paixão pela atividade têxtil. Analisando o balanço da Karsten na época, vimos uma empresa tradicional, momentaneamente com dificuldade, e pensamos no que a gente poderia fazer. Fizemos contato com os Karsten e fomos muito bem recebidos. A partir daí criamos um grupo de quatro novos sócios: eu, o Márcio (Bertoldi, atual diretor de varejo), o Alvin (Rauh Neto, diretor comercial) e o Rui (Hess de Souza), meu irmão. Apresentamos uma proposta que foi muito bem aceita. Integralizamos um valor e passamos, junto com os Karsten, a ter o comando da empresa.

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Quando o senhor assumiu a presidência, em que pé encontrou a companhia?

O moral do pessoal estava um pouco prejudicado. As instalações já não recebiam manutenções há muito tempo. Vi que era possível trabalhar produto e posicionamento da Karsten, uma marca fantástica que representa qualidade, tradição e confiança. Isso era uma grande oportunidade no Brasil. A partir daí começamos. O principal produto da empresa era toalha de felpudo, mas ela era uma toalha mediana. Hoje, com certeza, oferecemos ao mercado a melhor toalha fabricada no Brasil. Essa foi a grande transformação.

Toda grande reestruturação tem suas dores. Quais foram as da Karsten?

Recuamos para arrumar toda a estrutura e a governança da empresa. Uma das principais dores foi identificar talentos e não talentos, e aí fazer uma seleção. Tínhamos na época quase 2 mil pessoas, reduzimos em mais ou menos 400. Fechamos uma fábrica no Nordeste que não dava resultado, era um desvio de função. Essa foi a primeira grande decisão. Fizemos todos os ajustes aqui em Blumenau ao longo de 2015. Em 2016 começamos a colher os frutos dessa reestruturação.

O senhor vinha de uma trajetória de empresa familiar, a Dudalina. Isso ajudou na transição da Karsten, que tinha um modelo de gestão parecido?

Com certeza. Na Dudalina, participei e liderei o processo de transformação de uma empresa que servia a família para uma empresa de governança, absolutamente voltada a resultados e mercado. A transformação da Dudalina me serviu e me ajudou muito. E obviamente nessa caminhada houve estudo. Fui entender de economia, governança. Passei a estudar na Fundação Dom Cabral, que é uma instituição maravilhosa nesse país, para mim a melhor, que atende a formação de gestores de negócios.

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Um dos grandes problemas da Karsten era uma dívida relacionada a debêntures, de mais de R$ 500 milhões, que foi renegociada em 2019. Como foi essa reestruturação?

Essa foi braba. Tínhamos um consórcio de credores muito duros. Nós nos posicionamos da seguinte maneira: sem uma efetiva negociação, eles não iriam receber nada e a empresa não iria para frente. Foi uma negociação que durou praticamente quatros anos, entre idas e vindas, em que todos saíram satisfeitos. Hoje a empresa cumpre rigorosamente todos os compromissos que assumiu.

A Karsten sempre atuou na indústria, mas da última década para cá passou a investir também no varejo, seguindo o caminho de outras têxteis da região. Qual o saldo desse movimento até agora e o que está por vir?

Hoje temos 11 lojas. Estamos abrindo agora em outubro uma da marca Trussardi em São Paulo. Nosso projeto é crescer de uma maneira muito consistente no varejo, para poder oferecer ao mercado o mix inteiro da Karsten. Temos presença muito forte em multimarcas, mas só com um pedaço da nossa oferta. E as nossas lojas oferecem tudo que produzimos.

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Armando Hess de Souza:
Armando Hess de Souza: “Nosso projeto é crescer de uma maneira muito consistente no varejo” (Foto: Patrick Rodrigues)

A ideia é pulverizar essa atuação no varejo? No planejamento, seriam quantas lojas no Brasil?

Eu não diria pulverizar. É mais uma questão de posicionamento. É interessante que em muitos lugares onde entramos com loja, nossa presença nos canais multimarca não cai. Queremos ganhar mercado participando em cooperação com os que já são nossos clientes. Não queremos pulverizar, queremos levar ao mercado o nosso mix. Muitas vezes um cliente novo fica encantando e surpreso com tudo que a gente oferece.

A pandemia transformou completamente a gestão de muitas empresas e setores. Como foi esse período na Karsten e o que mudou?

Tivemos uma interpretação da pandemia muito particular. Estudamos a reação dela no mundo e tomamos os cuidados necessários. Somos mais ou menos 3 mil pessoas. No período pandêmico, entre admissões, demissões e tudo mais, circularam pela Karsten mais ou menos 5,5 mil pessoas. Tivemos 950 casos registrados de Covid. Nenhuma morte. Foram três ou quatro internações, cuidamos dessas pessoas. Porém tivemos a coragem de enfrentar a pandemia. A empresa não parou em nenhum momento. Nos primeiros dias em que éramos proibidos de juntar pessoas, respeitamos todos os distanciamentos e passamos a produzir máscaras com os retalhos de tecidos de cama. Fizemos de 40 a 50 mil, que distribuímos a nossos profissionais e seus familiares. Alguma coisa doamos para instituições. Enfrentamos a pandemia e tivemos uma visão logo no começo que foi a seguinte: as pessoas estão em casa. Já tínhamos uma estrutura de e-commerce bem atualizada. Passamos a oferecer um mix de produtos mais amplo no digital, que respondeu de maneira extraordinária. Isso nos colocou em uma posição de mercado mais forte do que antes. Para se ter uma ideia, quando começou a pandemia, tínhamos nesse parque fabril mais ou menos 1.850 pessoas. Ao final, com uma fábrica que abrimos em Ibirama, temos mais ou menos 3,1 mil. Vimos oportunidade e oferecemos ao mercado o que ele queria e precisava.

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Qual a lição que fica desse período turbulento?

Primeiro: cuidar das pessoas. A nossa prioridade foi cuidar de todos com um plano de ação, com disciplina. Eu diria que não é nem uma lição, mas um impulso espontâneo nosso. O segundo ponto é a coragem. Tivemos a coragem de enfrentar. Em nenhum momento a Karsten recou em qualquer coisa. Ela seguiu e obedeceu a lei, sempre. Mas não com medo nesse processo. Seguimos a nossa linha e as nossas convicções. Quando a gente observava muitas vezes uma linha editorial de que o mundo iria se acabar, sabíamos que tínhamos o nosso caminho. O mérito foi, primeiro, traçar uma linha e seguir com disciplina aquilo que a gente objetivou.

Pensando em futuro, quais são os investimentos previstos nos próximos anos?

Toda a minha capacidade de gerar riqueza é voltada para reinvestir, desde sempre. Quando garoto, ainda na Dudalina, gostava de comprar máquina, de novidade, de ir em feiras de tecnologia. Isso corre no sangue. E a gente trouxe isso para cá. Quando chegamos, a Karsten era uma indústria fortemente obsoleta. Todo o resultado que a empresa tem obtido nesses sete anos é voltado para investir. Hoje a Karsten já é uma empresa bem atualizada no Brasil. Quando nós levamos ao mercado a melhor toalha produzida no país, é porque investimos em tecnologia. A riqueza gerada aqui fica aqui. Esse é um acordo inclusive entre nós acionistas. Não tiramos dinheiro da Karsten. A segunda grande frente é investir no varejo. Temos 11 lojas e neste ano ainda vamos inaugurar mais três. Temos um plano com visão até 2030. Aí esse planejamento é em partes. Algumas já foram realizadas e entregues, com alguns resultados que superaram os nossos objetivos.

Algo relacionado a capacidade fabril e ampliação física?

Além do investimento em tecnologia e no varejo, temos o investimento muito forte em pessoas. Há um trabalho continuado de investimento nas nossas lideranças. Esse processo não para.

A Karsten está completando 140 anos em 2022. O presidente chegou a pouco tempo nessa história. A que o senhor atribui tanta longevidade?

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Primeiro é preciso fazer uma homenagem e a um agradecimento à família. Eu reverencio os Karsten por trazerem a empresa até aqui, com muita inteligência, sabedoria, competência. Se fosse para escolher uma palavra só, eu escolheria a seriedade. Não é fácil atravessar o tempo de 140 anos neste mundo turbulento. Veja tudo que se passou desde 1882. E a Karsten está aqui firme e forte. Vejo muito mérito da família Karsten, e como eles nos receberam como investidores para ajudá-los na gestão e na governança. Tenho um carinho muito grande.

Muitas têxteis da região acabaram vendendo o controle acionário para empresas de fora. Existe a possibilidade de acontecer o mesmo com a Karsten?

Vou colocar a minha posição como principal acionista da empresa. Enquanto eu estiver aqui, não. Simples assim.

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