Um dos integrantes do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural Edificado (Cope) recebe uma ligação às vésperas da reunião do grupo, na última quarta-feira (26). Do outro lado da linha, um pedido de consideração, na hora do voto, pelos empregos que seriam criados na loja que a Havan pretende erguer na Rua Oscar Jenichen. A cena ilustra o lobby nos bastidores pela aprovação da construção de uma megaloja da rede varejista no Centro Histórico de Blumenau.
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Àquela altura a pauta do encontro já não era segredo, suscitava debates acalorados nas redes sociais e, a julgar pelas manifestações prévias de entidades ligadas ao patrimônio cultural da cidade, já tinha um desfecho encaminhado – que só não se concretizou porque a empresa decidiu retirar o projeto de votação.
A polêmica da semana em Blumenau reforçou mais uma vez que é um equívoco analisar desenvolvimento econômico sem considerar contexto. Foi e em muitos casos ainda é assim na crise do coronavírus, que alimentou o falso dilema entre priorizar saúde ou economia. Essa visão até poderia fazer algum sentido quando a Covid-19 invadiu o cotidiano espalhando o medo de um vírus desconhecido. Mais de um ano depois, porém, a pandemia dá fartas provas de que é um erro dissociar completamente duas coisas que no fim das contas caminham juntas.
De certo modo, o caso da loja da Havan lembra um pouco essa dicotomia. Está sendo, mas não deveria ser uma disputa entre progresso econômico e preservação da memória de Blumenau. Em um mundo despolarizado que não transforma absolutamente tudo em um embate entre esquerda e direita, prevaleceria uma discussão construtiva sobre como esses pontos se conectam em benefício dos dois lados. Ambos, afinal, são de interesse coletivo.
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Conselheiros do Cope contrários ao projeto, ressalte-se, não criticaram a instalação de um comércio na região em questão. Nem analisaram a situação a partir de um viés político-ideológico, no que seria uma suposta retaliação ao empresário Luciano Hang, como sugeriu um vereador ao comentar o assunto na tribuna da Câmara nesta quinta-feira (27). O principal ponto de discórdia é a fachada estilizada que imita a Casa Branca, marca registrada da rede varejista.
A arquitetura que remete aos Estados Unidos nada tem a ver com as origens germânicas da cidade. Ela não seria um problema dentro de um shopping – como já acontece hoje – ou à beira de uma rodovia. Mas se tornaria um corpo estranho entre a Igreja do Espírito Santo, a paróquia luterana do Centro, e outras edificações tombadas do entorno, muito bem classificado como “último repositório da memória de uma Blumenau colônia” pela diretora do Arquivo Histórico, Sueli Petry.
Como algo replicado em uma centena de lojas Brasil afora agrega (ou deixa de agregar) em diferencial para uma região de imenso valor cultural é o ponto-chave da questão. A criação de empregos é fundamental, ninguém sensato diria o oposto em tempos de economia cambaleante. Mas por si só não é argumento convincente para justificar a descaracterização de parte do Centro Histórico, mesmo em se tratando de um terreno baldio que hoje não tem serventia.
Importantes destinos de viajantes ao redor do mundo – inclusive a Alemanha tão exaltada pelo blumenauense – já provaram que é possível conciliar geração de renda e desenvolvimento econômico sem abrir mão da preservação de raízes. A própria Havan tem certo know-how no assunto. A rede opera uma de suas tantas lojas no antigo Castelinho da Moelmann, uma edificação histórica cravada no Centro de Blumenau. Em Brusque, ao comprar o antigo complexo fabril da Carlos Renaux, manteve a vocação industrial do espaço, colocando galpões revitalizados à disposição de empresas têxteis.
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Memória e referências históricas são dois dos principais ativos do turismo. Bem explorados e no contexto certo, criam atrativos qualificados e capazes de provocar um impacto econômico, inclusive com geração de empregos, bem maior do que o oferecido por uma loja de departamentos.
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