Para a engenheira civil Stephane Domeneghini, a acelerada verticalização de Balneário Camboriú é fruto de um “resultado matemático”: como a cidade é pequena e os terrenos estão cada vez mais escassos, a saída é ir empilhando apartamentos em arranhas-céus cada vez mais altos. A profusão dos superedifícios é uma consequência, avalia ela, da qualidade de vida oferecida pela cidade:

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— Balneário é pensada como uma cidade de desejo porque tem segurança, infraestrutura e é viva, ativa. Você caminha a noite em qualquer horário e se sente bem, livre, tem farmácia, mercado, shopping, tudo está próximo.

Stephane acumula mais de 10 anos de experiência em projetos de edifícios de grande altura, atuando como líder responsável por soluções técnicas, processos e equipes. O portfólio dela inclui, por exemplo, o One Tower, o mais alto prédio da América Latina, com 290 metros. Por enquanto.

Na última semana, a engenheira proferiu uma palestra no Thomorrow, evento voltado ao mercado da construção civil, que teve como tema justamente os desafios de se construir o edifício mais alto do Brasil. Pouco antes de subir ao palco, ela conversou com a coluna. E sugeriu qual, na avaliação dela, é a próxima candidata a nova Balneário Camboriú. Confira a seguir um resumo do bate-papo.

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Qual a diferença de projetar um arranha-céu em relação a um prédio menor, além da altura?

Quanto mais alto o prédio, maior é o problema com o vento. Na prática isso tem relação com a estrutura e as vedações externas, que são as fachadas. Esses dois grandes sistemas precisam trabalhar de uma maneira para sustentar o prédio em situações de vento de alta velocidade. No Brasil não temos furacão e coisas do tipo, mas o dimensionamento leva em conta ventos que vão existir a cada 700 anos, por exemplo. Não é que o vento seja mais veloz em um prédio mais alto. É que fisicamente você tem um elemento alto e um acúmulo de energia de vento vindo da base até em cima. A conta é quanto o prédio vibra para que a pessoa que está dentro dele não se sinta mal. Porque ele vai ter que mexer, precisa ser uma estrutura flexível, se não quebra. Atingir esse conforto é uma grande dificuldade.

A gente olha para Balneário Camboriú e vê uma profusão de grandes prédios. Existe um limite de verticalização?

Não tem um limite de metro final de altura. Cada zona da cidade tem uma legislação e parâmetros específicos. A gente vê muitos prédios justamente próximos da orla e do mar. Ali o limite está relacionado a atender um parâmetro que se chama cone de sombreamento. É um parâmetro matemático, que você tem que afastar a torre para poder erguê-la. Mas não existe um limite final de “X” metros.

Essa aceleração da verticalização é uma tendência ou existe uma obsessão do mercado em bater recordes de altura?

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Eu acredito que Balneário Camboriú é um resultado matemático. A cidade é pequena, demograficamente limitada, e há uma grande vontade das pessoas morarem e viverem por causa da qualidade de vida que ela tem. Os empreendedores pensam em fazer o melhor negócio com a maior quantia possível de apartamentos para atender essa demanda. Os terrenos são fisicamente pequenos e com isso eles acabam empilhando as unidades. E nisso as torres acabam se tornando cada vez mais altas. É muito mais isso do que uma corrida por altura. Até porque construir alto é muito caro.

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Essa concentração demográfica intensa pode provocar colapsos em serviços básicos, como mobilidade urbana e abastecimento de água e energia? Há uma preocupação na elaboração desses projetos sobre esse tipo de impacto?

Sem dúvida nenhuma e a preocupação é razoável, coerente e deve existir. Como cidade, inclusive, isso deve ser um parâmetro inicial de se pensar, como permitir a construção se eu não vou promover a infraestrutura necessária. Pelo menos aqui em Balneário Camboriú, que é onde conhecemos o processo profundamente, qualquer prédio só sai de um design inicial após viabilidades de abastecimento, atendimento a rede de esgoto, avaliação do impacto na infraestrutura e mobilidade. Mas Balneário já vive um processo de quebra de paradigma. Existe uma alta concentração de pessoas em um centro consolidado e é preciso incentivar modais diferentes, para que essas pessoas troquem o uso de três ou quatro carros por família para um transporte coletivo de qualidade. Não se pode achar que aumentar o número de pistas é uma solução viável. Pensando na nova visão de mundo sustentável, isso é incompatível, porque a gente quer menos emissões. Queremos viver de forma mais saudável. Isso quer dizer andar a pé, usar modais coletivos que têm gasto energético menor. Muitas pessoas que se aposentam e vêm morar em Balneário não querem mais usar carro ou se deslocar uma hora para chegar em algum lugar.

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Balneário tem um custo de vida alto e um imóvel na cidade não é barato. Como essa verticalização pode beneficiar também pessoas mais carentes ou que não têm condições de experimentar esse tipo de moradia?

Esse é um dos temas mais interessantes quando pensamos na cadeia total. A gente vê Balneário como uma cidade rica e só para ricos. Mas essa verticalização é promovida com outorgas (compensações pagas pelas construtoras). E os valores são enormes, altíssimos, inclusive com grande impacto financeiro na edificação. O prédio é caro por ser alto, porque o terreno é caro e porque tem que pagar um alto valor de recurso para o governo municipal. A inteligência do negócio é que o rico que comprou o One Tower ajudou a viabilizar uma empresa que constrói prédios e que tem um potencial enorme de impacto comunitário, com geração de empregos. Mas não para nisso. Balneário é pensada como uma cidade de desejo porque tem segurança, infraestrutura e é viva, ativa. Você caminha a noite em qualquer horário e se sente bem, livre, tem farmácia, mercado, shopping, tudo está próximo. Há serviços de qualidade. Isso tudo é para atender o rico? Sim, o rico puxa isso. Mas a cadeia impacta todo mundo. As pessoas que moram nos bairros ou cidades adjacentes utilizam disso que o rico traz porque o recurso da outorga é aplicado de volta no município. É assim que a cidade consegue ter esgoto, abastecimento hídrico, promover infraestrutura. A nova orla não vai ser um parque só dos ricos. É uma praia democrática, aberta, custeada pela outorga. Então é uma cadeia que impacta o todo, promovendo uma cidade de qualidade que não se restringe ao rico que mora de frente para o mar, mas que está aberta a todos que querem morar ou vêm passear aqui.

É como se os super-ricos ajudassem a financiar estruturas públicas que o Estado sozinho muitas vezes não daria conta?

Exatamente, essa é a lógica. Por que Balneário consegue alargar a praia, ter sistema de esgoto e parece tão diferente? Porque o recurso recolhido da outorga é aplicado na cidade. Claro que é preciso de uma gestão pública de qualidade, porque isso tudo pode não funcionar se a gestão não for boa. O interessante da outorga é que ela é um recurso que precisa ser aplicado em infraestrutura. É obrigação, por uma questão federal. Você pode pensar, por que outras cidades não têm isso? Justamente porque a extensão territorial, muitas vezes, é tão grande que o recurso é diluído e você não vê acontecer como vê aqui.

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É visível a verticalização em cidades do entorno. Qual a próxima candidata a Balneário Camboriú?

Que pergunta difícil (risos). Eu apostaria em uma cidade que está em um processo mais inicial de desenvolvimento, não em uma amplamente já consolidada como Itapema. Itajaí não tem o Litoral que Balneário tem, mas tem grande potencial de ser uma nova Balneário porque tem uma paisagem natural bonita, tem alto poder de recursos, não só da construção, mas em virtude do porto e tudo mais, e oferta uma qualidade de vida muito alta. Acho que, contrariando expectativas, apostaria muito em Itajaí dessas cidades muito próximas, por oferecer Litoral e ter a conexão com Balneário, pela infraestrutura e pelo equilíbrio um pouco melhor de promover uma verticalização, mas pensando também na infraestrutura acompanhar. É isso que eu vejo em Itajaí e não vejo em Itapema, por exemplo. Vejo muitos projetos de revitalização, de parques, de ambientes urbanos que são fundamentais para trazer qualidade de vida. Não adianta ter prédio alto sem qualidade de vida. Balneário é a junção dessas duas coisas.