Na recessão da economia brasileira entre os anos de 2015 e 2016 surgiu uma espécie de mantra, que foi repetido à exaustão: Santa Catarina seria o último estado do país a entrar e o primeiro a sair da crise. O otimismo demonstrado por gestores públicos e lideranças empresariais à época se sustentava nas peculiaridades do setor produtivo local. A atividade econômica catarinense é diversificada – não há dependência de um único segmento, e quando um vai mal outro ajuda a compensar – e bem distribuída em todas as regiões, cada uma com vocações bem definidas que se complementam. Aliado a isso, empresas e indústrias com longa trajetória, muitas delas centenárias, se acostumaram a se reerguer depois de momentos difíceis, fomentando um empreendedorismo marcado pela resiliência.

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Esse discurso de crença no dinamismo do Estado voltou a ganhar força nas projeções pós-pandemia, mas com um tom diferente do de cinco anos atrás: não se trata mais de simplesmente retomar a atividade econômica. A situação de agora é completamente diferente de uma crise cíclica, não há precedentes de algo semelhante na história e o impacto desta vez é global, com profundas transformações de hábitos e processos. É um cenário que torna tudo mais complexo e desafiador, e que já exige rupturas de modelos de negócios tradicionais diante do que se convencionou chamar de “novo normal”.

A boa notícia é que Santa Catarina não está assistindo a tudo isso de braços cruzados. No setor produtivo, a Federação das Indústrias (Fiesc) finaliza a formatação de um plano que propõe uma profunda reformulação da economia catarinense. O relatório deve ser apresentado na próxima semana ao governador Carlos Moisés (PSL), com sugestões inclusive para aprimorar a gestão pública. Trata-se de algo, ao menos no papel, ousado, inspirado no New Deal, um conjunto de medidas adotadas pelos Estados Unidos para recuperar o país depois da Grande Depressão de 1929 – mas com um olhar específico para tornar o Estado referência em desenvolvimento quanto tudo voltar a se acalmar. A iniciativa foi batizada de Projeto Travessia e mira em quatro pontos: reinvenção da indústria, investimento em infraestrutura, atração de capital e pacto institucional.

— A ideia não é só retomar, mas se transformar, em função da gravidade da crise. A travessia significa que nós vamos sair de um lugar e chegar em outro — resume o diretor de inovação e competitividade da Fiesc, José Eduardo Fiates.

Essa transformação tem fases distintas. A primeira é instigada pelo instinto de sobrevivência. A indústria têxtil e de confecção, por exemplo, foi uma das mais afetadas pela crise, mas muitas fábricas amenizaram os prejuízos readequando a produção. Nas máquinas de costura, peças de vestuário deram lugar a máscaras, jalecos e uniformes destinados a profissionais de saúde. Em um segundo momento, a pandemia também pode acabar dando um empurrãozinho para antecipar o futuro. E exemplos disso não faltam.

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No meio do furacão, a Texneo, uma malharia de Indaial, acelerou um projeto que já estava em gestação no início deste ano. Com suporte de uma startup, desenvolveu uma malha antiviral a partir de nanopartículas que bloqueiam o crescimento e a propagação do novo coronavírus (e também de bactérias) nos tecidos. Não é possível eliminar o vírus de vez, mas ele se torna inativo em até 15 minutos, freando a contaminação. Isso permitiria, por exemplo, que as pessoas não precisassem lavar a roupa toda vez que chegam da rua em casa. Segundo o presidente da empresa, Ricardo Axt, a tecnologia pode ser empregada em qualquer tipo de material e tem 99,9% de eficácia comprovada em testes de laboratório.

Esse tipo de tecnologia não é exatamente uma novidade, mas a demanda por roupas que diminuam a exposição das pessoas a doenças abre margem para a produção em escala do chamado vestuário inteligente, diminuindo o preço na ponta para o consumidor. Como na crise do setor têxtil do início dos anos de 1990, provocada pela invasão de produtos asiáticos no Brasil que deixou muitas empresas sem base sólida pelo caminho, e fez as sobreviventes irem além do básico, este pode ser um caminho na busca pela diferenciação.

— O mercado não valorizava isso de forma tão expressiva até então — acrescenta André Klein, diretor da Dalila Têxtil, empresa de Jaraguá do Sul que também está apostando em tecidos antivirais e vem recebendo pedidos de envio de amostras de clientes de todo o Brasil.

Crises como essa da Covid-19 também acabam evidenciando a capacidade de mobilização da indústria catarinense na busca por soluções que ajudem os governos. Um dos melhores exemplos disso no Estado vem da WEG. Em tempo recorde, a companhia estruturou fábricas para produzir respiradores, o produto mais inflacionado da pandemia. Em dois meses começou a entregar os primeiros equipamentos para UTIs de hospitais de Santa Catarina e já assinou contrato com o Ministério da Saúde para fornecer 950 aparelhos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Foi uma saída caseira e que no fim se demonstrou mais eficiente – e bem longe de polêmicas – do que a importação desses itens.

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Para o presidente da Fiesc, Mario Cezar de Aguiar, a pandemia também escancarou o que agora se mostra, na visão dele, uma política equivocada, que foi a transferência de boa parte dos processos de manufatura para o continente asiático. O dirigente acredita que essa dependência, especialmente da China, pode ser revista, abrindo caminho para um processo de reindustrialização do Estado que pode ajudar a recuperar postos de trabalho perdidos:

— Onde tem indústria tem desenvolvimento e emprego.

Exemplos de quem segue pela contramão

Crises chacoalham a economia. Se de um lado derrubam os desestruturados, por outro colocam quem está firme na vitrine. Apesar de muitas empresas terem enxugado operações e congelados investimentos, outras continuaram com o pé no acelerador.

A FG Empreendimentos, por exemplo, promete lançar ainda neste um ano prédio de 100 andares em Balneário Camboriú. A construtora prepara investimentos de R$ 500 milhões em novos projetos de luxo na região nos próximos cincos anos. Na vizinha Itajaí, quatro navios militares encomendados pela Marinha do Brasil, orçados em cerca de R$ 6 bilhões, prometem dar fôlego à construção naval e gerar até 2 mil empregos diretos.

Na área de geração de energia, a Celesc, apesar de ter feito um contingenciamento no orçamento em função da pandemia, segue com projetos de R$ 590 milhões. Já a Associação dos Produtores de Energia de Santa Catarina (Apesc) informa que o setor deve investir neste ano cerca de R$ 500 milhões em pequenas centrais hidrelétricas já iniciadas e em outras que vão começar. Ambas as informações foram apuradas pela colunista de economia da NSC, Estela Benetti.

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Maior rede de lojas de departamentos do Brasil, a Havan reviu os planos para 2020, mas eles continuam ambiciosos. A empresa de Brusque vai desembolsar R$ 100 milhões na abertura de seis novas unidades em 2020. A primeira delas, em Gravataí (RS), foi inaugurada no fim de maio. Já o varejo de alimentos, setor essencial e que não parou com o surto do novo coronavírus, vem encontrando terreno fértil para crescer. Redes como a Condor, Fort Atacadista, Celeiro, Preceiro e Cooper estão despejando milhões de reais na abertura ou reforma de supermercados e atacarejos por todo o Estado, gerando milhares de empregos.

— As empresas tinham seu planejamento, equipamentos já comprados, contratos feitos, terrenos comprados e vão seguir com ele — diz o empresário Paulo Lopes, presidente da Associação Catarinense de Supermercados (Acats).

Em um mês, mais vagas fechadas do que todo o ano de 2019

Adotado para achatar a curva de contaminação do novo coronavírus, o distanciamento social se provou uma medida sanitária eficiente em todo mundo, mas provocou, em contrapartida, danos colaterais severos na economia. Em abril, primeiro mês cheio sob os efeitos da pandemia, Santa Catarina viu evaporarem 73.111 empregos formais, aqueles com carteira assinada (veja detalhes na tabela ao lado). Bastaram apenas 30 dias para se perder o saldo positivo de novas vagas criadas ao longo de todo o ano de 2019 (foram 71,4 mil).

A indústria foi o setor que mais penou: pouco mais de 30 mil postos de trabalho fechados no mês. No setor de serviços foram outros 23,2 mil. No comércio, mais 14,7 mil. O desemprego em massa é consequência da paralisação de fábricas, do fechamento de lojas e também do medo das pessoas, que seguram despesas – e assim a roda da economia não gira. Em cenários de incerteza, a prudência recomenda evitar gastos desnecessários.

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Entre analistas e empresários, é consenso de que a recuperação da economia será lenta e gradual. Mesmo que a rotina de Santa Catarina já esteja mais normalizada em relação ao restante do Brasil, o fechamento de outros mercados importantes, principalmente São Paulo, o maior centro consumidor do país, tem forte impacto para as empresas locais.

— Santa Catarina é um estado que produz mais do que consome. Somos exportadores. Nossa economia fica represada se outros estados não estiverem acelerando — avalia o presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Mario Cezar de Aguiar.

Os pequenos negócios e os microempreendedores sentem mais quando o calo aperta. Eles representam 98% das empresas do Brasil, geraram oito em cada dez empregos em 2019, mas estão mais expostos e correm mais riscos quando a economia para.

— O pequeno negócio costuma ter capital de giro para no máximo 15 dias — exemplifica o diretor-superintendente do Sebrae-SC, Carlos Henrique Ramos Fonseca.

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A pandemia, claro, fez muito pequeno se mexer. Quem pode, diversificou os canais de relacionamento com os clientes e passou a vender pela internet ou pelas redes sociais. O comércio eletrônico disparou nesse período. Na quinzena entre 10 e 23 de maio o volume de pedidos on-line cresceu 56% na comparação com os dois meses anteriores, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).

Essa necessidade de se virar pode ter sido a porta de entrada para uma maior digitalização das pequenas empresas e dos microempreendedores, o que não deixa de ser um legado, avalia Fonseca. Isso colabora, mas não é suficiente para minimizar os prejuízos. O acesso a crédito tem sido a maior barreira. Um levantamento do Sebrae-SC mostra que só 23% das microempresas catarinenses que buscaram realmente conseguiram socorro financeiro. A expectativa é que a regulamentação do Programa Nacional de Apoio à Microempresa e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) facilite esse caminho.

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