É bastante ousada a projeção do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, feita em fala testemunhada por vários jornalistas na manhã desta segunda-feira, de entrega da duplicação – inteira – da BR-470 até 2021. A declaração, claro, reacende as esperanças de motoristas, lideranças locais, setor produtivo e comunidade em geral que há tanto tempo aguardam um desfecho para a obra. A história recente, no entanto, recomenda que se adote um otimismo cauteloso. Sustento essa percepção a partir de alguns números.
Continua depois da publicidade
Só nos quatro lotes de duplicação o valor contratado da obra é de cerca de R$ 1 bilhão – o orçamento geral é um pouco maior porque inclui contratos de gerenciamento e supervisão, além das desapropriações. Relatório do mês passado assinado pelo superintendente regional do DNIT em Santa Catarina, Ronaldo Carioni Barbosa, revela que até abril deste ano o governo já havia empenhado em torno de R$ 500 milhões para os trabalhos nos quatro trechos, embora uma fatia menor deste montante ainda não tenha sido aplicada. Ou seja, ainda falta pelo menos a metade.
O mesmo documento traz a informação de que o orçamento para a BR-470 neste ano é de R$ 98,2 milhões, mais R$ 14,5 milhões de emenda de bancada não impositiva. O relatório diz que os recursos “possibilitarão apenas a continuidade de um ritmo lento das obras, muito abaixo da necessidade e capacidade de execução dos serviços contratados”.
Os cerca de oito quilômetros liberados para tráfego nesta segunda-feira representam pouco mais de 10% da extensão da rodovia que será duplicada. Garantir a conclusão dos 90% restantes em prazo tão curto exigiria aportes acima da média dos últimos anos. Mais disponibilidade de recursos, por outro lado, depende do ajuste das contas públicas, que passa pela recuperação da economia e do consequente incremento da arrecadação do governo. Há dúvidas de que haja melhora substancial neste sentido ainda em 2019.
Projeção do PIB cai de novo
Continua depois da publicidade
No mesmo dia em que o ministro visitou a região, o mercado reduziu pela 16ª vez consecutiva a projeção do PIB para este ano. Pela primeira vez a mediana de analistas de instituições financeiras consultados pelo Banco Central ficou abaixo de 1% – 0,93%, para ser mais exato, enquanto na largada de 2019 estava em 2,53%. Vale lembrar que a geração de riquezas, e agora sim com um dado oficial, já divulgado pelo IBGE, encolheu no primeiro trimestre do ano.
Neste cenário financeiro ainda delicado, soa mais provável que este prazo de 2021 só será – se for – viabilizado por decisão política, a tal da “prioridade absoluta” defendida pelo ministro. Aí entra o peso da articulação catarinense em Brasília e junto ao presidente Jair Bolsonaro. O ceticismo alimentado por tantas decepções em torno da BR-470 aconselha a conter qualquer euforia.
Perdas
Sabe-se que uma rodovia de pista simples e malconservada atrapalha o escoamento de mercadorias e a mobilidade da população e turistas, mas não existe nenhum levantamento oficial que calcule quanto a economia do Vale perde – ou deixa de ganhar – por não ter a BR-470 duplicada. Outras realidades, no entanto, podem ajudar a dimensionar o tamanho desse estrago.
Um estudo feito pela Unisul, divulgado em 2012 pela Fiesc, mostrou que, na época, o atraso na duplicação do trecho Sul da BR-101 já havia deixado de gerar R$ 32,7 bilhões em riquezas. A conta foi feita a partir da variação do PIB de cidades da região em relação aos investimentos feitos na obra, e nem considerou perdas contabilizadas em congestionamentos, caminhões parados e cargas perdidas.
Continua depois da publicidade
Aliás
A Fiesc prepara estudo do impacto econômico da não duplicação da BR-280, no Norte de Santa Catarina. Em relação à BR-470, nada definido por enquanto.