É preocupante a situação financeira do Hospital Santo Antônio, de Blumenau. A unidade de saúde, que em 2019 prestou 240 mil atendimentos, prevê um déficit orçamentário de cerca de R$ 3,2 milhões neste ano. A projeção foi apresentada pelo presidente do Conselho Curador do hospital, Jorge Cenci, a empresários e representantes da prefeitura em reunião na sede da Associação Empresarial de Blumenau (Acib) no fim da tarde desta segunda-feira (2). Cenci foi categórico na explanação: a conta não está fechando e, neste ritmo, a roda “vai parar de girar”.

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O buraco só não é maior porque desde 2015 o Santo Antônio mantém um convênio com a Trimania Cap, título de capitalização que repassa recursos à unidade. Pelo contrato, no entanto, o dinheiro deve ser aplicado majoritariamente em investimentos, incluindo compra de equipamentos, reformas ou construção de novas estruturas. Segundo Cenci, uma mudança nos termos do acordo até autoriza que uma parte dessa quantia seja usada em despesas de custeio, mas esse não seria o objetivo ideal. Sem essa ajuda da Trimania, o rombo previsto chegaria a R$ 11 milhões em 2020, com déficit mensal operacional pouco superior a R$ 1 milhão.

Com 159 anos de história, o Santo Antônio é referência nas áreas de oncologia, hematologia, gestação de alto risco, ortopedia, traumatologia e cirurgia bariátrica. Conta com 840 colaboradores, sendo 200 médicos, e, embora seja uma fundação privada, tem caráter filantrópico. Ou seja, não opera para dar lucro, mas tem acumulado prejuízos nos últimos anos. Para fazer frente às despesas maiores do que as receitas, a direção da unidade tem recorrido a empréstimos junto a instituições financeiras. A dívida com bancos, segundo Cenci, já chega a R$ 9 milhões. Há outros R$ 5 milhões renegociados em programas de recuperação fiscal, referentes a pendências tributárias.

Demais municípios

Presente na reunião, o secretário de Saúde de Blumenau, Winnetou Krambeck, ressaltou que a prefeitura já investe 32% do orçamento na área – 2% do total vai para o Santo Antônio –, mais do que o dobro da obrigação constitucional, que é de 15%. Apesar disso, os valores mensais repassados pelo município (cerca de R$ 600 mil) e pelo governo do Estado (R$ 800 mil) são insuficientes para manter a operação financeira no zero a zero, segundo Cenci.

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O presidente do Conselho Curador ainda defendeu que municípios vizinhos contribuam mais no custeio da unidade. Dos 240 mil atendimentos feitos em 2019, 24% contemplaram pessoas vindas de outras cidades.

— O Hospital Santo Antônio faz o papel de um hospital regional — justifica.

Há outros obstáculos. Como opera principalmente pelo SUS (92% dos atendimentos em 2019), o Santo Antônio recebe pouco pelos serviços prestados. Além disso, o hospital atua sobretudo em procedimentos de baixa e média complexidade, casos que muitas vezes poderiam ser resolvidos nos ambulatórios gerais do município.

Apesar do quadro delicado, não há risco de suspensão de procedimentos ou atendimentos, ao menos por enquanto, garante Cenci. Durante a reunião da Acib de segunda-feira, empresários se comprometeram a mobilizar o G6 – grupo formado pelas seis maiores entidades representativas do município – para ampliar a cobrança por soluções junto às autoridades públicas. Só em repasses atrasados, o Santo Antônio tem uma dívida de R$ 10 milhões a receber.

Entrevista: Jorge Cenci, presidente do Conselho Curador do Hospital Santo Antônio

Qual a situação financeira do hospital hoje?

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Não há falta de caixa. Estamos conseguindo operar o hospital normalmente, prestando o nosso serviço. A questão que se apresenta são os sucessivos déficits gerados e que são cobertos por financiamentos bancários. A ideia é parar de buscar dinheiro do banco e fazer com que o próprio hospital consiga girar o seu negócio, mesmo tendo lucro zero. O hospital, como entidade filantrópica, não precisa ter lucro. É simplesmente girar a operação.

De quanto é esse déficit mensal?

Em torno de R$ 1 milhão, R$ 1,3 milhão. É o déficit que geramos mensalmente, que dá os R$ 11 milhões por ano (sem contar os recursos da Trimania). Se nós pudéssemos fazer com que o pagamento por parte do governo do Estado, do governo federal e por parte do município agregasse um valor de aproximadamente R$ 1,2 milhão, seria o suficiente para gerar uma situação nem de prejuízo nem de lucro.

O senhor comenta que, nesse ritmo, a roda vai parar de girar. Existe risco de suspensão de procedimentos se o cenário não for corrigido?

Momentaneamente, não. Nós estamos agindo, como eu tenho dito, preventivamente. Precisamos olhar para a gestão do Santo Antônio à frente. Não podemos deixar a coisa acontecer, criar uma condição de parada, e aí entrar em um processo mais complexo. No momento o hospital está operando naturalmente, sem nenhuma conta a dever. Não devemos para ninguém, a não ser para os bancos. Esse é o objetivo agora, pagar aos poucos essas dívidas com os bancos e fazer com que a operação se torne autossuficiente e sustentável no seu dia a dia.

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Quanto tempo o hospital consegue se manter se essa situação não for resolvida?

Precisamos dar um encaminhamento entre 60 e 90 dias.

Se isso não acontecer, haverá prejuízo para a população em questão de atendimento?

Acredito que não, mas teremos que buscar outros financiamentos e recursos em outras instâncias para que a gente não pare a operação. A questão é que, novamente, estamos agindo preventivamente. O processo de geração desse fluxo de caixa é progressivo. Ou seja, cada mês que passa a gente tem menos dinheiro. E com isso, em algum momento, a operação não vai girar.

Como reverter esse cenário?

São várias estratégias. Uma delas é com gestão, com redução de custos e fazendo a operação rodar com mais eficiência de uma maneira geral. E também prestar novos serviços para convênios particulares. Ou seja, fazermos uma realocação da nossa atuação para serviços com maior valor agregado. O Hospital Santo Antônio, hoje, é um forte braço na prestação do serviço municipal e das cidades dos arredores em casos de baixa complexidade, normalmente suportados pelo SUS, que são muito mal remunerados.

O senhor comentou que 24% dos atendimentos feitos no hospital são de pessoas que vêm de outras cidades, mas que os municípios de origem não colaboram com dinheiro para custear as operações. Há alguma tratativa com essas prefeituras?

Estamos trabalhando através da Ammvi (Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí). Esse é o caminho. Não seria justo fazer um acordo de um jeito com um município e de outra forma com outro. Mesmo porque cada município também tem suas limitações de investimentos e alocação de recursos, inclusive na própria saúde. Para nós, fazer um acordo com todos esses municípios, de uma forma geral, que simplesmente nos remunerasse pelo serviço prestado, seria suficiente. É melhor agir em bloco para que todas essas cidades tomem ciência dessa condição.

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