Para quem vê em Jair Bolsonaro a figura de um mito, as 10 visitas já feitas pelo presidente a Santa Catarina em pouco mais de dois anos e meio de gestão são um prato cheio. Não faltaram oportunidades para tirar uma selfie – que fã não gostaria de eternizar o momento na presença de um ídolo? –, tomar um banho de mar ou circular na garupa da moto presidencial, caso daqueles que têm aspirações para as Eleições 2022.

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Para os que têm olhar mais pragmático e enxergam Bolsonaro como chefe da nação, alguém de quem se espera soluções para os problemas, essas mesmas 10 visitas são a frustração de um prato vazio. Em nenhuma delas o presidente fez anúncios significativos de obras ou investimentos para o Estado, como bem relembrou o colega Ânderson Silva.

O roteiro se repetiu na última semana. Bolsonaro mais uma vez veio a SC de mãos vazias e de novo foi embora com o ego inflado, repleto de imagens que fizeram a festa de apoiadores nas redes sociais. O presidente encontra no Estado a receptividade de um eleitorado que lhe garantiu a maior vitória proporcional no país nas eleições de 2018. O carinho até é retribuído com palavras. Mas ação prática que é bom, nada.

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Como o presidente gosta tanto de comparar o governo a uma família – em uma das mais recentes analogias, tratou o vice Hamilton Mourão como aquele cunhado que precisa ser aturado –, dá quase para dizer que ele vive um relacionamento abusivo com os catarinenses. É como se Santa Catarina fosse a esposa dedicada e que faz juras de amor eterno. Bolsonaro, na direção oposta, é o marido que só se aproveita das coisas boas e dá de ombros para os ônus do vínculo matrimonial.

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Um exemplo? Cobrado sobre o impasse envolvendo a aplicação de R$ 200 milhões para a duplicação da BR-470, ele se esquivou, como registrou o colega Evandro de Assis. Quase que como uma resposta, o Ministério da Infraestrutura tuitou no fim de semana que o governo federal vai garantir os recursos para a conclusão dos lotes 1 e 2, entre Navegantes e Gaspar, até o ano que vem. É o que todos querem acreditar, embora o histórico recomende certo ceticismo.

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Essa relação sintetiza a posição catarinense no cenário federativo. Quando se fala em geração de riqueza, Santa Catarina entrega à União muito mais do que recebe em troca. Empresários uma vez mais ressaltaram a discrepância do que vai e do que volta durante a passagem do presidente pelo Estado ao lembrarem principalmente da precariedade da infraestrutura logística de responsabilidade da União. A retórica não é nova. E nem tem se mostrado eficiente para mudar o curso das coisas.

Para Bolsonaro, Santa Catarina funciona como um refúgio singular. Indicadores sociais e econômicos acima da média e alta rejeição a movimentos, partidos e políticos ligados à esquerda compõem o palco ideal para o presidente reforçar a imagem de líder popular de direita. É um trunfo concedido por um Estado que, sejamos claros, alcançou status de diferenciado mais por mérito próprio do que pelo suporte federal.

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A devoção é uma armadilha frequente na política. Bolsonaro não foi o primeiro e nem será o último agente público a recorrer a esse expediente – Lula usou e ainda usará muito desse artifício também, caso seja candidato em 2022. Faz parte do nosso folclore, afinal, a busca pelo salvador da pátria, ainda que personificar a mudança em detrimento das instituições abra precedentes nada saudáveis à democracia.

Toda essa adulação, por outro lado, não seria grande problema se houvesse contrapartida minimamente proporcional, o que não acontece. Até agora, esse casamento entre Bolsonaro e Santa Catarina tem se mostrado vantajoso apenas para o presidente. Na política, porém, quase sempre há tempo para salvar a relação. Ainda mais com uma eleição se aproximando.

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