Passadas as eleições de outubro, sempre que Jair Bolsonaro era questionado por seus atos, falas e planos uma parte do seu eleitorado mais fiel saía em defesa do capitão da reserva, alegando que ele não poderia ser cobrado antes de assumir de fato o poder. Trata-se de um raciocínio equivocado e até mesmo politicamente ingênuo porque os olhos do país, desde aquele momento, passaram a se voltar ao então presidente eleito, e suas declarações e intenções tinham, naturalmente, potencial para mexer nas estruturas de governo – o caso envolvendo o Programa Mais Médicos talvez seja o melhor exemplo.

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Essa discussão, porém, deixou de fazer sentido por volta das 17h desta terça-feira. Vestida a faixa presidencial, Bolsonaro se tornou presidente não apenas de uma ala liberal na economia e conservadora nos costumes, mas de todo o povo de um país continental, marcado pela miscigenação de raças e distintas matizes culturais, econômicas e de comportamento. Terá de dar satisfações, portanto, inclusive àqueles que não o ajudaram a se eleger. O nível de exigência e responsabilidade se multiplica. Não há mais desculpas nem a quem apontar o dedo pelos problemas que já existem e pelos outros que certamente surgirão pelo caminho.

O discurso combativo terá de dar lugar à ação. Embora a complexidade dos desafios nacionais recomende dar certo tempo para a busca de soluções e consequente surgimento de resultados – algo que costuma ir contra o imediatismo tupiniquim –, a cobrança, ancorada no slogan informal de campanha de “mudar tudo isso que está aí”, será constante. Bolsonaro precisará saber lidar com isso, entendendo que uma democracia plena garante espaço ao contraditório e que cada um dos seus passos será, mais do que nunca, vigiado com lupa a partir de agora.

Na economia, há urgência em encurtar a fila do desemprego. O Brasil ainda tem 12,2 milhões de pessoas desocupadas, segundo os indicadores mais recentes do IBGE. O novo governo precisa fomentar a criação de vagas formais, com carteira assinada, que dão mais segurança e tranquilidade para o trabalhador consumir e fazer girar a economia. Isso passa por mudanças nos sistemas tributário, reduzindo e simplificando as obrigações das empresas, incentivando novos investimentos, e previdenciário.

Esta última é considerada a reforma das reformas porque é preciso revisar critérios de aposentadoria. A população está envelhecendo e essa despesa só sobe, deixando menos recursos para aportes em outras áreas. Haverá, certamente, embates com categorias descontentes com a eventual perda de privilégios. Aqui a negociação com o Congresso será essencial. Não bastará apenas falar mais alto: é preciso habilidade na articulação política, desde já um dos grandes desafios da equipe do novo presidente – não por acaso, Bolsonaro fez um apelo aos congressistas, muitos deles ex-colegas, no discurso de posse. O que não pode acontecer é essa conta sobrar apenas para o trabalhador mais pobre.

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Ainda no campo econômico, além da desburocratização do ambiente de negócios, outra grande prioridade é melhorar a infraestrutura logística, com melhores estradas, aeroportos, portos e até mesmo expansão da malha ferroviária para escoar a produção das indústrias. Com a União sem dinheiro, as soluções devem chegar da iniciativa privada, via concessões. Ajudaria muito também se Bolsonaro proporcionar mais autonomia financeira para Estados e municípios, como prometeu no discurso da vitória.

Aliás

A agropecuária foi a única atividade produtiva citada nominalmente no discurso de posse no Congresso. Bolsonaro disse que o segmento, no seu governo, continuará desempenhando papel essencial na economia. Sem falar em previdência e tributos, o agora presidente também prometeu fazer as reformas estruturantes essenciais para a saúde financeira e a sustentabilidade das contas públicas. E defendeu o livro mercado e a eficiência fiscal.

Diferenças e semelhanças

Jair Bolsonaro e Carlos Moisés da Silva são militares filiados ao PSL e foram alçados ao poder basicamente pelo mesmo tipo de eleitor, mas proferiram discursos de posse bem distintos aos respectivos parlamentos. Enquanto o presidente foi por uma linha mais nacionalista, prometendo acabar com o "viés ideológico" na educação e na economia, por exemplo, o governador de Santa Catarina foi mais pragmático, numa linha de gestor, manifestando preocupação com eficiência nos serviços públicos e sem referências a ideologias.

Em comum, o apelo de ambos aos representantes do Legislativo por apoio na construção do governo que se inicia. Vão precisar.

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Gesto de aproximação

O prefeito Mario Hildebrandt (PSB) prestigiou a posse de Carlos Moisés da Silva (PSL) na tarde desta terça-feira. O chefe do Executivo blumenauense se identifica com o estilo do novo governador, embora não tenha pedido votos a Moisés nas eleições – Hildebrandt fez campanha por Mauro Mariani (MDB) no primeiro turno, em consideração ao antecessor Napoleão Bernardes (PSDB), vice na chapa, e defendeu Gelson Merisio (PSD) no segundo por questões partidárias. O gesto é necessário para que o município construa bom trânsito junto ao governo do Estado.