O professor está satisfeito. Depois de atuar por anos na coordenação do extinto Centro de Operação do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfico do Rio Itajaí-Açu (Ceops), órgão que se tornou referência estadual na previsão de cheias na região, o hidrólogo Ademar Cordero tem dedicado os últimos meses a repassar tudo o que aprendeu a técnicos do Alertablu. E está gostando do que está vendo.
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— Eles passaram no teste e estão prontos — diz, referindo-se à atuação da equipe durante as enchentes deste mês de outubro.
Mantido pela Defesa Civil de Blumenau, o Alertablu assumiu a responsabilidade pelo monitoramento do nível do Itajaí-Açu em 2022, quando a Furb decidiu dar fim ao Ceops. A maior enchente que a cidade enfrentou desde 2011 serviu de prova de fogo para os servidores. Para Cordero, foi uma “ótima” oportunidade para colocar a teoria na prática.
Engenheiro civil, mestre em recursos hídricos e doutor em hidrologia, Cordero conversou com a coluna sobre a “gestão” das cheias que acometeram o Vale do Itajaí nas últimas semanas. Para ele, as previsões do nível do rio foram precisas dentro do possível – mais do que isso não dava para fazer, alega – e a operação da barragem de José Boiteux, embora aos trancos e barrancos, foi essencial para impedir uma enchente de proporções ainda maiores em Blumenau.
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Desde a extinção do Ceops, o monitoramento do Rio Itajaí-Açu está a cargo da prefeitura. O que mudou nesse período?
A telemetria que a gente tinha estava obsoleta. Havia muitos problemas na coleta de dados porque ela já não funcionava bem, só existia em alguns pontos. Até encaminhamos uma verba para o governo do Estado, para implantar uma telemetria nova, mas eles disseram que iriam fazer. Esse foi um fator positivo. Eu falava que a Jica (Agência Internacional de Cooperação do Japão) recomendou várias obras e também que Florianópolis (no caso o Estado) instalasse telemetria. Coloquei para a Defesa Civil que ela tinha que começar a fazer, porque nós aqui da Furb estamos quase nos aposentando e não temos mais condições de fazer esse trabalho. Eles assumiram, instalaram novas telemetrias em todos os pontos da bacia (do rio Itajaí-açu). Aliás, a única crítica é em Taió, que não sei por que não instalaram lá. Mas a telemetria está funcionando muito bem, tem os dados que a gente pode acessar. Não é a da prefeitura de Blumenau, que tem só um ponto. O nível do rio em Blumenau é Blumenau que gerencia. O Alertablu tem vários pontos, mas é só aqui em Blumenau. Tem a rede de Blumenau, a telemetria na ponte Adolfo Konder, e o restante é o governo do Estado que coloca os dados na internet. Agora nós tivemos muita informação da bacia toda, o que propiciou um gerenciamento bom da situação.
Blumenau acaba de enfrentar a maior enchente em 12 anos. Como o senhor avalia a resposta dada?
Quase todas as previsões (do nível do rio) deram meio metro a mais. Na minha orientação, sempre falei para não errarem para baixo. Que colocassem 30, 40, 50 centímetros para cima, porque as pessoas têm que tirar seus bens antes. Se você observar o pico previsto, todos foram um pouco acima. A última (previsão) foi a melhor, porque era de 10,90 e deu 10,76 metros. Então aprenderam bem com o professor. Nas três primeiras enchentes eu até fui junto para assessorar, mas na última fiquei em casa orientando. A última foi eles que fizeram. Eu só dei umas ideias. E eles acertaram muito bem. Foi positivo.
Existe de fato essa orientação de colocar a projeção um pouco mais acima do imaginado para evitar o fator surpresa?
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Sim. No passado, no Ceops, algumas vezes erramos por baixo. E quando isso acontece a crítica é muito alta. Então eu digo que é melhor errar um pouco para cima, que aí dá tempo. Não tem problema de tirar a mercadoria e a água não chegar, mas o risco existe. Você não sabe exatamente se a chuva que está caindo vai continuar. Não é matéria fácil acertar 50 centímetros para cima ou abaixo. Os modelos de hidrologia não dão essa precisão que muita gente acha que deve ter. O Estado estimou 12 metros no primeiro dia e todo mundo tirou, mas era um número estimado com base na chuva que poderia ocorrer. Mas na hora de fazer a previsão, se faz com base na chuva que cai. Enquanto ainda chove, você não sabe se vai dar uma pancada de 20 milímetros a mais. Por isso eu orientei a se resguardarem disso. Se você colocar 20 milímetros a mais e não chover, tudo bem, vai ficar um pouco abaixo. Não tem problema.
Há algo que ainda possa ser feito para tornar as previsões ainda mais precisas?
É difícil prever mais do que isso. A única coisa que pode ser feita, três ou quatro horas antes, é fazer uma última análise para ajuste final do pico. Os modelos muitas vezes erram por mais de um metro. Treinei eles para usarem outra técnica, porque os modelos dão erros bem maiores. Teve momento em que o rio estava subindo 50 centímetros por hora. Quando chega perto do pico, vai crescer 30, 20, 10 centímetros. E você não tem uma ideia exata de como o decrescimento da cheia vai se comportar. Pode errar por 30, 40 centímetros… é difícil de acertar mais do que isso.
As previsões então foram precisas, considerando essa situação?
Mais do que isso não dava para fazer. Fizemos as previsões e foram todas dentro do limite que a gente esperava. Como eu disse, o limite de precisão não é por centímetro, como muita gente acha que deve ser. Foi muito bem feito. O problema é sempre a quantidade de chuva, porque a ciência ainda não consegue saber, mesmo com tantos meteorologistas. A primeira chuva deu o dobro do que todo mundo estava prevendo, tanto a Defesa Civil estadual como aqui. O modelo estava dando 60, 70 milímetros e deu 130. Então a quantidade de chuva ainda é complicada de prever com certeza. E trabalhamos com essas incertezas. Isso vai continuar, porque os modelos às vezes são bem diferentes do que ocorre realmente.
Dá para mensurar o impacto em Blumenau se a barragem de José Boiteux não tivesse sido operada?
Se eu fosse gestor, eu não iria lá no meio da noite fechar aquela comporta. Mas o governador teve mais coragem do que eu (risos). Não quis dizer que foi uma atitude ruim para o baixamento do nível. Mas do ponto positivo, acho até que ficou melhor deixar as comportas abertas nos dois primeiros picos porque o grande pico veio na última (cheia). E já estava vertendo. Se tivesse fechado no início, como seria feito se as comportas estivessem funcionando, o volume de água que passaria pelo vertedouro seria muito maior. Se passar de um metro de altura já é ruim para a operação das barragens. Então só teve efeito positivo aqui, fechando naquela hora as comportas. Estima-se que foi de dois metros a influência aqui em Blumenau. Se não tivessem as barragens, daria dois metros a mais, porque ela chegou no limite, com eficiência máxima praticamente. Fecharam as comportas na hora certa. Se tivessem fechado antes, iria extravasar mais e seria pior. Então foi totalmente positivo.
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Essa influência de dois metros considera o pico de 10,76 metros?
Isso. Se não tivesse a barragem, teria dado um pico de 12,76.
Nesse nível, se a barragem não estivesse operando, teria afetado a Vila Germânica e a Oktoberfest provavelmente teria sido suspensa por mais tempo…
Com certeza. Teria atingido tudo lá. A cota lá é abaixo de 12 metros. Teria inundado toda a Oktoberfest.
O senhor comentou que está tranquilo porque o pessoal aprendeu bem a lição, o que o professor ensinou. Já dá para aposentar de vez?
Vou fazer a assessoria até maio do ano que vem. Até lá consigo repassar tudo e aí me retiro mesmo da função. A minha ideia é trabalhar até metade do ano que vem, tanto na Furb quanto na prefeitura.
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