Um novo capítulo na guerra pela “paternidade” do Festival e do Concurso Brasileiro de Cervejas agitou o setor cervejeiro nesta reta final de semana. A disputa entre prefeitura de Blumenau e Associação Blumenauense de Turismo, Eventos e Cultura (Ablutec), que se organizam para realizar eventos semelhantes em 2025, mas em cidades diferentes, já extrapolou os bastidores e veio a público, agora até mesmo com acusações de propagação de “fake news”.

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Na sexta-feira (23), a Ablutec disparou um comunicado à imprensa informando que havia derrubado uma liminar, obtida pela prefeitura em primeira instância, que impedia a entidade de explorar as marcas e o histórico dos eventos. O material não poupa críticas ao poder público que, na avaliação da associação, teria “forçado” a mudança das programações para Balneário Camboriú em 2025 a partir da falta de diálogo e de “uma ação fora de propósito”.

“A tentativa durou pouco tempo e a Justiça foi rápida”, destaca a Ablutec logo no início do comunicado.

O despacho judicial favorável à associação, no entanto, reformou apenas um ponto da decisão proferida em primeira instância (leia o histórico do caso abaixo). O movimento da Ablutec provocou uma reação imediata da prefeitura, que retrucou. Em nota, o município acusou a entidade de encaminhar uma notícia à imprensa diferente do processo publicado pela Justiça, o que caracterizaria ”fake news” que, segundo a prefeitura, compromete a credibilidade dos eventos.

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Confira fotos da edição deste ano do festival

No comunicado, a prefeitura disse que a decisão em segundo grau “reforça as decisões já deferidas pela Justiça, que proíbe a Ablutec de utilizar as marcas que pertencem ao município”. O poder público bancou a organização dos eventos em março de 2025, na mesma semana que a Ablutec promete realizá-los em Balneário Camboriú.

O imbróglio judicial entre as partes ainda está longe do fim. A Ablutec foi ao Ministério Público denunciar supostas irregularidades na contratação para a gestão e realização dos eventos em Blumenau sem o devido processo licitatório – a Associação Capital Brasileira da Cerveja e a Escola Superior de Cerveja e Malte estão responsáveis pelas programações.

Em resposta, a prefeitura disse que já protocolou, dentro do prazo solicitado, as informações solicitadas dentro desse processo. O caso ainda está em investigação.

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Entenda o imbróglio

O que a Justiça determinou em 1º grau:

  • Em decisão publicada no dia 14 de junho, o juiz Bernardo Augusto Ern, da 1ª Vara da Fazenda Pública e Acidentes do Trabalho da Comarca de Blumenau, determinou que a Ablutec deixasse de usar, imediatamente, as marcas “Festival Brasileiro da Cerveja” e “Concurso Brasileiro de Cervejas”.
  • Estas duas marcas, conforme documentos apresentados no processo pela prefeitura de Blumenau, estão registradas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) em nome do município. A vedação de uso para a Ablutec, segundo a decisão, valeria inclusive para marcas “assemelhadas ou em imitação”.
  • O despacho cita ainda que, além dos nomes dos eventos, a Ablutec usou em publicações feitas nas redes sociais logomarcas que tiveram pedidos de registro no INPI indeferidos por reproduzirem ou imitarem marcas já registradas – no caso, aquelas que pertencem ao município.
  • A decisão determinou ainda que a Ablutec deixe de usar, imediatamente, as expressões “16ª Edição do Festival da Cerveja” e “13ª Edição do Concurso Brasileiro de Cervejas”. A prefeitura de Blumenau alegou, nos autos, que o uso dos números induziria o público a entender que se trataria de uma “continuidade” de eventos que sempre aconteceram na cidade.
  • O despacho veta ainda o uso, pela Ablutec, do “trade dress” de eventos anteriores realizados pela prefeitura de Blumenau. O termo “trade dress”, no universo da propriedade intelectual, pode ser comparado à apresentação visual ou à “roupagem” de uma marca.
  • A determinação imposta à Ablutec pela abstenção de uso das expressões numéricas “16ª Edição do Festival da Cerveja”, “13ª Edição do Concurso Brasileiro de Cervejas” e “trade dress” vale, segundo a decisão judicial, para “marca, nome empresarial, nome de domínio ou qualquer outro sinal distintivo”, além de “quaisquer pactos, contratos e financiamentos relativos à qualquer forma de evento”.
  • Conforme a decisão, a Ablutec teria cinco dias para recolher e suspender a veiculação de todo tipo de publicidade, em meio físico ou virtual, que tivesse, ainda que parcialmente, essas informações. No caso de pactos e contratos, a determinação foi para que eles fossem rescindidos em 15 dias.
  • O descumprimento das determinações judiciais, de acordo com o despacho, renderia multa diária de R$ 5 mil à Ablutec, com teto máximo de R$ 1,37 milhão.

O que a Ablutec alegou ao recorrer:

  • A Ablutec recorreu em segunda instância. A entidade alegou que, apesar dos registros em nome da prefeitura, sempre realizou os eventos. Sustentou ainda que as marcas foram repaginadas com apoio do município, que cedeu espaço (a Vila Germânica) para a realização do Festival entre 2019 e 2021.
  • Ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a entidade pediu a cassação ou suspensão da liminar até o julgamento de embargos de declaração – recurso para esclarecer pontos considerados contraditórios em uma decisão judicial – ou a readequação de medidas para dispensar o recolhimento do material produzido.
  • A associação reivindicou ainda que a prefeitura deixe de usar as expressões numéricas “16ª edição” e “13ª edição”, referentes ao Festival Brasileiro da Cerveja e Concurso Brasileiro de Cervejas, respectivamente. Também pediu a redução da multa diária e exclusão da ordem de abstenção de uso do “trade dress” de eventos anteriores.
  • A Ablutec disse ainda que marcas visuais da entidade registradas em 2019 são diferentes das marcas que pertencem à prefeitura, principalmente em relação a cores e formatos. E argumentou que a decisão em primeiro grau não considerou que o município não usou as marcas nos cinco anos anteriores.
  • A associação sustentou ainda que ficou impedida de usar suas próprias marcas registradas e que não haveria violação ao “trade dress” pelo uso das expressões “16ª edição” e “13ª edição”. No entendimento da Ablutec, isso diverge de marca porque “constitui a exposição ao consumidor realizada no evento”.
  • Ainda sobre o “trade dress”, a Ablutec argumentou que a comprovação de violação dependeria de perícia.
  • A Ablutec disse também que a determinação para a rescisão de contratos celebrados com terceiros não teria fundamento legal.

O que a Justiça determinou em 2º grau:

  • Na quinta-feira (22), o desembargador substituto Leandro Passig Mendes, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), deferiu parcialmente o pedido da Ablutec.
  • Apesar de admitir que a decisão em primeiro grau “contém ampla fundamentação”, o desembargador suspendeu a parte do despacho que ordenava a Ablutec a rescindir contratos e financiamentos que tenham utilizado as expressões “16ª edição do Festival da Cerveja” e “13ª edição do Concurso Brasileiro de Cervejas” ou “trade dress” de eventos anteriores.
  • Na avaliação do desembargador, esse trecho da decisão tem “espectro bastante abrangente e genérico” porque poderia causar efeitos em terceiros que não estão envolvidos na disputa judicial.
  • O magistrado acrescentou ainda que nada impede que a Ablutec faça aditivos contratuais em vez de rescindi-los, “adequando-os aos seus interesses comerciais” na realização dos eventos em Balneário Camboriú.
  • O desembargador observa ainda que a prefeitura detém o registro legal da marca no INPI, englobando tudo que envolve o Festival Brasileiro da Cerveja realizado na cidade, com “direito de exploração restrito ao seu titular”.
  • O magistrado acrescenta que registro de marca semelhante ou idêntica foi recusado à Ablutec. Com isso, a entidade não poderia promover a utilização da marca fazendo publicidade do evento em Balneário Camboriú em 2025 citando as expressões “16ª edição” e “13ª edição”. Na avaliação do desembargador, isso geraria “induvidosa confusão quanto à titularidade das denominações e das marcas”.

E agora, como fica o caso?

  • A Ablutec ainda está impedida, por decisão judicial, de usar as marcas “Festival Brasileiro da Cerveja” e “Concurso Brasileiro de Cervejas”, registradas em nome da prefeitura de Blumenau, na promoção dos eventos em Balneário Camboriú.
  • O recurso apresentado pela Ablutec em segunda instância foi deferido apenas em parte. Ou seja, a entidade não precisa rescindir os contratos já firmados para os eventos em Balneário Camboriú, como havia determinado a decisão de primeiro grau. Basta que faça um aditivo contratual retirando as expressões “16ª edição do Festival” e “13ª edição do Concurso” e que não utilize qualquer expressão que identifique as marcas registradas em nome da prefeitura de Blumenau.
  • O uso das expressões “16ª edição do Festival” e “13ª edição do Concurso”, em contratos ou material de divulgação, segue vedado por parte da Ablutec, por fazerem menção à continuidade de eventos realizados historicamente em Blumenau.
  • Na prática, a Ablutec pode manter os eventos cervejeiros em Balneário Camboriú, mas com outros nomes e outras identidades visuais que não conflitem com as marcas registradas pela prefeitura de Blumenau.

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Contraponto

Após a publicação, a Ablutec procurou a coluna e fez apontamentos sobre a postagem. A entidade alega que também tem marcas registradas com os dizeres “Concurso Brasileiro de Cervejas” e “Festival Brasileiro de Cervejas” e que o que está vetado pela decisão judicial seria somente a utilização daquelas registradas pela prefeitura – marcas mistas, que compõem a parte figurativa e as nomenclaturas.

“Porém, as nomenclaturas não podem ser requeridas com exclusividade por nenhuma das partes, por serem de uso comum e meramente descritivas”, defendeu a associação.

A entidade diz ainda que a única restrição é sobre a utilização dos numerais 13º e 16º, em referência às edições do Concurso Brasileiro de Cervejas e do Festival Brasileiro da Cerveja.

A Ablutec argumenta ainda que a Vila Germânica nunca foi cedida para os eventos, embora o despacho em segundo grau cite isso, e sim alugada. A entidade acrescenta que “este ponto será esclarecido no decorrer do processo”.

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