Décadas atrás e até mesmo nos dias atuais, muito se ouve falar da relação entre artista e gravadora de uma maneira não tão positiva. Com contratos comumente garantindo às empresas da indústria musical de 50 a 90% dos direitos e receita de produções (como álbuns e singles) e até mesmo controles mais estritos, como o domínio total sobre as músicas, videoclipes e conteúdos visuais, é compreensível que, muitas vezes, o que parece ao artista ao primeiro olhar como uma grande oportunidade no futuro pode-se mostrar um monstro de sete cabeças.

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Seria o método tradicional a única forma de impulsionar o trabalho de músicos ou haveria uma forma de simplificar até mesmo a relação entre artista e público? A proposta de musicalização em Blockchain busca exatamente isso: tornar esta relação mais direta e sem intermediários, garantindo maior poder e liberdade aos criadores.

A razão para uma participação tão dominante da gravadora sobre as obras musicais se dá com a justificativa de que, comercialmente falando, é o único jeito de arcar com os custos dos outros artistas que recebem investimentos da marca e não alcançam tanto reconhecimento do público – e que consequentemente geram menos receita.

Em um caso recente, a cantora e compositora de pop e country Taylor Swift iniciou uma jornada de regravação de mais de 100 músicas (seus seis primeiros álbuns) após anos tentando comprar os direitos sobre suas próprias obras sem sucesso – direitos que passaram de mão em mão, com a gravadora detentora dos direitos sendo vendida nesse meio tempo e o domínio sobre seus álbuns adquiridos logo em seguida por um fundo de capital privado.

A proposta da tecnologia Blockchain para o mundo da música
A proposta da tecnologia Blockchain para o mundo da música (Foto: Reprodução/Shutterstock)

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O que os projetos de música em Blockchain propõem são meios descentralizados baseados em smart contracts, ou contratos inteligentes, que são linhas de código em blockchain dispostas a executar funções pré-determinadas, de forma segura e transparente, transformando uma série de organizações de licenciamento de música, gerenciamento de direitos, de arquivos e de taxas de royalties (quantia paga ao detentor dos direitos pelo uso de um conteúdo, como por exemplo a reprodução de uma música) em um sistema automático e com maior liberdade, sem a necessidade de tantos intermediários.

Como exemplo, podemos imaginar o lançamento de um single em blockchain: o arquivo publicado na rede possui as informações do artista, dos direitos de uso sobre a obra e da carteira para onde devem ir os royalties. Ao reproduzir ou comprar a música em uma plataforma, um sinal é dado e a pequena taxa de reprodução ou o valor da compra vão diretamente à carteira integrada no arquivo da publicação, possibilitando ao mesmo tempo um sistema de rastreio completo e integrado de quantas reproduções um arquivo teve em plataformas de streaming, ou de quantas compras foram efetuadas de um álbum no iTunes, por exemplo.

A transformação liderada pelo avanço da internet

Há pouco mais de duas décadas, o poder de divulgação, produção e promoção musical estava centralizado na mão das gravadoras, mas com o advento da internet tudo mudou. Artistas podem publicar, divulgar, gerar receita com seu trabalho e construir uma base fiel de fãs sem sair de casa ou assinar contratos com letras miúdas – e a tecnologia blockchain está contribuindo para essa nova realidade.

A startup Royal, co-fundada pelo artista de música eletrônica Justin Blau, atua com uma proposta bastante inovadora nesse cenário: por meio da nova plataforma, artistas “vendem” parte dos direitos de suas músicas a fãs por meio de tokens não fungíveis (ou NFTs) em percentuais determinados por eles mesmos – dessa forma, o artista e seu fã detentor do token dividem os royalties e a propriedade das obras, enquanto a plataforma cobra uma taxa de 10% pelo uso.

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Como um teste, em 2021 Blau distribuiu 333 NFTs, entregando aos fãs presenteados 50% dos direitos de streaming de um single recém lançado – a obra alcançou mais de 600 mil dólares em vendas, trazendo parte dos ganhos aos fãs e ainda mais atenção à Royal – a startup alcançou mais de 70 milhões de dólares em investimentos e firmou parcerias com fortes nomes da música como The Chainsmokers e Nas.

Uma das ideias da empresa é transformar o mercado para os artistas musicais como outras plataformas fizeram para criadores de conteúdo em geral – permitindo a monetização de forma simples e direta e como consequência, incentivando a inovação e o compartilhamento de ideias. Nas palavras de Fred Ehrsam, co-fundador da venture capital Paradigm e conselheiro da Royal, em entrevista ao The Verge: “Vimos isso com outras plataformas da internet no passado, e o Youtube é um ótimo exemplo: passamos a ter uma infinidade de criadores e de novos conteúdos que nunca existiriam sem a plataforma. Acredito que pode haver algo similar aqui”.

Com a indústria da música atrelada à tecnologia blockchain podemos simplificar as relações de licenciamento, de publicação, de manutenção dos direitos e mais – e tudo isso dando maior liberdade ao criador e trazendo-o para mais próximo de seu público. Ainda há muito espaço para inovação nesse meio, pois sem dúvidas estamos apenas no começo.

Colaboração de Leo Ferrari e Alexandre Bernardes para o NSC Lab.