A decisão do ministro Alexandre Moraes, revogando a censura prévia que ele mesmo aplicara a revista Crusoé e ao site O Antagonista, produz vários fatos políticos ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, restabelece a plena veiculação da contundente reportagem nos meios digitais de maior acesso hoje no Brasil, audiência amplificada pelo próprio Supremo Tribunal Federal com os absurdos cometidos, rasgando a Constituição Federal no que se refere à liberdade de expressão e de imprensa. Interrompe, também, o profundo desgaste, já se aproximando da desmoralização da Suprema Corte, num processo inédito de perda de prestígio jamais registrado na história do Judiciário. E tende, ainda, a reduzir o impacto que a censura provocou em todo o Brasil e até no exterior.

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Os motivos alegados pelo ministro Alexandre Moraes para revogar seu próprio ato tem fundamentação jurídica, quando ele alega que o tal documento da delação do “amigo do amigo do meu pai”, referindo-se ao ministro Dias Toffoli, realmente, não havia chegado à Procuradoria Geral da República. Mas o magistrado precipitou-se ou tentou impor o jogo pela força do Poder Judiciário, eis que no mesmo dia uma cópia integral da delação já era divulgada pelas redes sociais. A Crusoé e O Antagonista reiteraram que o documento existia e tiveram respaldo dos principais veículos da imprensa nacional.

O próprio ministro admite a novidade no final de seu despacho: 

“Comprovou-se que o documento sigiloso citado na matéria realmente existe, apesar de não corresponder à verdade o fato que teria sido enviado anteriormente à PGR para investigação. Na matéria jornalística, ou seus autores anteciparam o que seria feito pelo MPF do Paraná, em verdadeiro exercício de futurologia, ou induziram a conduta posterior do Parquet; tudo, porém, em relação a um documento sigiloso somente acessível às partes no processo, que acabou sendo irregularmente divulgado e merecerá a regular investigação dessa ilicitude.

A existência desses fatos supervenientes – envio do documento à PGR e integralidade dos autos ao STF – torna, porém, desnecessária a manutenção da medida determinada cautelarmente, pois inexistente qualquer apontamento no documento sigiloso obtido mediante suposta colaboração premiada, cuja eventual manipulação de conteúdo pudesse gerar irreversível dano a dignidade e honra do envolvido e da própria Corte, pela clareza de seus termos.

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Diante do exposto, REVOGO a decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e a revista Crusoé a retirada da matéria intitulada “O amigo do amigo de meu pai” dos respectivos ambientes virtuais.”

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A reportagem

Um resumo da reportagem foi publicado pelo G1: Segundo reportagem publicada pela revista na última quinta (11), a defesa do empresário Marcelo Odebrecht juntou em um dos processos contra ele na Justiça Federal em Curitiba um documento no qual esclareceu que um personagem mencionado em e-mail, o "amigo do amigo do meu pai", era Dias Toffoli, que, à época, era advogado-geral da União.

Conforme a reportagem, Marcelo tratava no e-mail com o advogado da empresa – Adriano Maia – e outro executivo da Odebrecht – Irineu Meireles – sobre se tinham "fechado" com o "amigo do amigo". Não há menção a dinheiro ou a pagamentos de nenhuma espécie no e-mail.

Ao ser questionado pela força-tarefa da Lava Jato, o empresário respondeu: "Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. 'Amigo do amigo de meu pai' se refere a José Antônio Dias Toffoli". Toffoli atuou como advogado-geral da União entre 2007 e 2009, no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

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Segundo a revista, o conteúdo foi enviado à Procuradoria Geral da República para que Raquel Dodge analise se quer ou não investigar o fato.

Em nota oficial divulgada na sexta, a PGR afirmou que não recebeu nenhum material e não comentou o conteúdo da reportagem.

Na decisão desta quinta (18), Alexandre de Moraes diz que o documento citado na reportagem "realmente existe". O ministro acrescenta, contudo, que não é verdadeira a informação de que o documento teria sido enviado anteriormente à Procuradoria Geral da República para investigação.

:: Um Supremo fora da curva

Moraes afirma que ou os autores anteciparam o que seria feito pelo Ministério Público Federal, em um exercício de "futurologia", ou induziram "a conduta posterior" do órgão.

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O magistrado diz também que a divulgação do documento sigiloso, ao qual somente as partes envolvidas tinham acesso, acabou sendo "irregularmente divulgado" e que essa "ilicitude" deverá ser "investigada".