A presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz, negou nova liminar para determinar a manutenção do ex-presidente Lula na cadeia. Chama a atenção para o tom elevado e ameaçador do plantonista Rogério Favreto no último domingo — ele chegou a determinar, no meio da tarde, o prazo de uma hora para que a Polícia Federal soltasse o presidiário. Para a presidente do STJ, o desembargador provocou um “tumulto processual sem precedentes na história do direito brasileiro.”
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Na parte final, reafirma “a absoluta incompetência do Juízo Plantonista para deliberar sobre questão já decidida por este Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, afastando a alegada nulidade arguida.”
A ministra considerou “inusitada e teratológica a decisão do desembargador Rogério Favrerto que”em flagrante desrespeito à decisão da 8a. Turma do TRF da 4a. Região, ratificada pela 5ª Turma do STJ e pelo Plenário do STF, erigiu um “fato novo” que, além de nada trazer de novo – pois a condição de “pré-candidato” é pública e notória há tempos –, sequer se constituiria em fato jurídico relevante para autorizar a reapreciação da ordem de prisão sob análise. É óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento, mormente quando, como no caso, a questão já foi examinada e decidida em todas as instâncias do Poder Judiciário.
Outrossim, está totalmente fora da competência do Desembargador Federal Plantonista emitir juízo de plausibilidade sobre as teses suscitadas pela Defesa do ora Paciente no Recurso Especial, que será, em tempo oportuno, examinado e decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Causa perplexidade e intolerável insegurança jurídica decisão tomada de inopino, por autoridade manifestamente incompetente, em situação precária de Plantão judiciário, forçando a reabertura de discussão encerrada em instâncias superiores, por meio de insustentável premissa. Assim, diante dessa esdrúxula situação processual, coube ao Juízo Federal de primeira instância, com oportuna precaução, consultar o Presidente do seu Tribunal se cumpriria a anterior ordem de prisão ou se acataria a superveniente decisão teratológica de soltura.
Em tempo, coube ao Relator da ação penal originária – diante da impossibilidade material de se levar o questionamento diretamente ao juízo natural da causa, no caso, a 8ª Turma –, avocar os autos do habeas corpus para restabelecer a ordem do feito. Não satisfeito, o Desembargador Federal Plantonista insistiu em manter sua decisão, proferindo outras, aumentando o tom, ameaçando o Juízo Federal de primeiro grau (pediu a provocação da Corregedoria da Corte Regional e do CNJ, “a fim de apurar eventual falta funcional”) e a autoridade Policial Federal (advertindo sobre as consequências de desobediência de ordem judicial), estipulando prazos diminutos para cumprimento imediato da ordem de soltura.
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Diante do tumulto processual, sem precedentes na história do direito brasileiro, o Ministério Público Federal, na condição de custos legis, suscitou conflito positivo de competência – de forma incidental, dentro dos próprios autos do habeas corpus em tela –, efetivamente estabelecido entre os dois desembargadores federais: o Plantonista e o Relator da ação penal originária.
E, evidentemente, a controvérsia, àquela altura – em pleno domingo, mexendo com paixões partidárias e políticas – ganhou vulto, e deixou ainda mais complicado o cenário jurídico-processual, carecendo, por isso, de medida saneadora urgente. Assim o fez o Desembargador Federal, Presidente do TRF da 4.a Região, que, apontando a ausência de regulamentação normativa específica para o caso em tela, valeu- se de Resolução interna que o autoriza resolver “casos omissos”. Daí, decidiu:
“considerando que a matéria ventilada no habeas corpusnão desafia análise em regime de plantão judiciário e presente o direito do Des. Federal Relator em valer-se do instituto da avocação para preservar competência que lhe é própria (Regimento Interno/TRF4R, art. 202), determino o retorno dos autos ao Gabinete do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto, bem como a manutenção da decisão por ele proferida no evento 17” (fl. 20).
Em face do, repito, inusitado cenário jurídico-processual criado, as medidas impugnadas no presente habeas corpus – conflito de competência suscitado nos próprios autos e a decisão do Presidente do TRF da 4.a Região resolvendo o imbróglio – não constituíram nulidade, ao contrário, foram absolutamente necessárias para chamar o feito à ordem, impedindo que Juízo manifestamente incompetente (o Plantonista) decidisse sobre questão já levada ao STJ e ao STF.
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Outra questão importante a ser observada é o fato de que tanto o impetrante deste habeas corpus quanto os impetrantes daquele outro perante o Plantão do TRF da 4.a Região sequer são defensores constituídos pelo ora Paciente. É sabido e consabido que, por vezes, conforme inúmeras decisões do STJ e do STF, há abusos do direito de petição pela via mandamental, acarretando, eventualmente, prejuízo à Defesa constituída pelo próprio réu. Por essa razão, tem-se limitado o conhecimento de impetrações desta natureza.
Igual conclusão foi a do Ministro Cezar Peluso em habeas corpus ajuizado no Supremo Tribunal Federal por impetrante que não era defensor constituído pelo paciente. Confira-se o seguinte trecho, in verbis:
“Se é verdade que a ação de habeas corpus pode ser impetrada por qualquer pessoa, nos termos do art. 654 do Código de Processo Penal, é certo que tal faculdade pressupõe o interesse de agir em favor do paciente. A manifestação dos advogados constituídos pelo paciente – que impetraram outro pedido em seu favor (HC no 111.810) indica, com alguma certeza, não ser conveniente o conhecimento deste habeas corpus sem o expresso consentimento do suposto beneficiário. A propósito, depois imaginarem hipóteses de pedidos inviáveis, afirmam GRINOVER, GOMES FILHO e SCARANCE:
Nessas situações, um eventual julgamento precipitado pode comprometer a linha de defesa que venha sendo desenvolvida pelo próprio acusado e seus advogados constituídos, resultando em prejuízo manifesto para o paciente. Assim, embora não se possa negar a legitimidade do eventual impetrante, estará ausente o interesse de agir, como utilidade, não podendo ser conhecido o pedido (in Recursos no Processo Penal, 3ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 355).
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Assim, antes de qualquer decisão, ‘recomendam a doutrina e o bom senso que o juiz ou o tribunal ouça previamente o paciente sobre a conveniência do conhecimento do pedido’ (idem, p. 354)” (HC 111.788/MG, decisão monocrática do min. CÉZAR PELUSO, DJe 2/2/2012, grifei.)
Assim, se é prudente reservar aos advogados constituídos o manejo de questões relevantes para o exercício da ampla defesa, com mais razão, parece-me, deve ser obstaculizado o processamento de habeas corpus que cria tumulto processual. Contudo, para dirimir a dúvida, deve ser consultado o Paciente sobre o seu interesse na continuidade da presente ordem mandamental.
No mais, reafirmo a absoluta incompetência do Juízo Plantonista para deliberar sobre questão já decidida por este Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, afastando a alegada nulidade arguida.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de liminar. Brasília – DF, 10 de julho de 2018. MINISTRA LAURITA VAZ- Presidente”
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