A criação dos juízes de garantias, aprovada pelo Congresso nacional no ano passado e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, continua sendo criticada por advogados, magistrados federais e estaduais.

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A última manifestação contrária partiu de desembargadores e juízes federais, que acabam de lançar um abaixo assinado apontando várias inconstitucionalidades.

O documento sustenta que a criação dos juízes de garantias viola a Constituição Federal, fere a separação entre os Poderes pois não foi proposta pelo Judiciário e viola o principio constitucional do juiz natural, criando o sistema de dois juízes para o mesmo processo. 

Além disso, sustentam que é inconstitucional porque foi criado sem previa dotação orçamentária.

Aqui em Santa Catarina, há também sérias restrições de advogados e magistrados sobre a instituição dos juízes de garantias.

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O novo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Ricardo Roesler, que assumirá no dia 31 de janeiro, retornou esta semana do recesso do Judiciário para trabalhar na transição e montar sua equipe.

Externou preocupação com os juízes de garantias, dizendo que vai onerar anda mais o Judiciário e que não há sequer rubrica no orçamento do Estado para este ano.

O manifesto

Leia a íntegra do abaixo assinado:

"Os desembargadores e juízes federais abaixo-assinados, integrantes da Justiça Federal, vêm manifestar sua discordância e apontar a inconstitucionalidade do chamado juiz de garantias introduzido pela Lei no 13.964/19 (art. 3o-B, CPP).

Primeiramente, ressalta-se que a disposição prevista no art. 3o-B do CPP, criada pela Lei no 13.964/19, não respeitou norma constitucional sobre iniciativa de projeto de lei pelo Judiciário, sendo evidente o vício constitucional quanto à iniciativa do devido processo legislativo. Em que pese se alegar que se trata de questões processuais, a norma invade esfera de competência e gestão administrativa do Poder Judiciário, art. 96, I, “d” e II, “b” e “d”, da Constituição Federal, ferindo o princípio da independência harmônica entre os poderes, cláusula pétrea.

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A adoção do juiz de garantias, tal como regulado pela Lei no 13.964/2019, viola também o princípio constitucional do juiz natural (prerrogativa da jurisdição imparcial), na medida em que dispõe que dois juízes, ou mais, ficarão responsáveis por um mesmo processo em fases distintas. A situação é agravada pelo fato de que o denominado juiz de garantia ficará responsável não só pela prática de atos na fase investigatória, como também irá analisar, em determinados casos, o mérito das imputações contra o acusado, invadindo a esfera do juiz responsável constitucionalmente pelo processual. Como exemplo, está a previsão de que o juiz de garantias poderá absolver sumariamente o acusado ou receber a denúncia, bem como decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou de colaboração premiada.

Além disso, a criação do juiz de garantias viola o art. 169 da CF, porque foi criado sem que tivesse havido prévia dotação orçamentária, o que não é possível quando há aumento de gastos, como no caso em questão que pressupõe a existência de pelo menos dois magistrados atuando em cada processo, o que exigiria a ampliação dos quadros de juízes (gerando um gasto anual de, no mínimo, R$ 2.574.000.000,00, dois bilhões, quinhentos e setenta e quatro milhões de reais).

Mesmo na hipótese de ocorrer sistema de rodízio de magistrados que, além de demonstrar a precariedade da situação, pressupõe o deslocamento de magistrados, com o consequente pagamento dos custos para permitir o exercício da jurisdição fora da residência da comarca, além de que, por via oblíquo, vem a ferir a prerrogativa constitucional da inamovibilidade, em situações de atuação compulsória em subseções e seções judiciárias distintas. Quanto ao tema, o próprio atual Presidente do STF, Min. Dias Toffoli, decidiu pela impossibilidade de realização de audiências de custódia por meio de videoconferência, suspendendo resolução do TJSC que permitia a prática (CNJ, processo n.0008866- 60.2019.2.00.0000.).

O juiz das garantias fere o princípio constitucional da eficiência, art. 37 da CF. Citamos o caso das Varas Criminais Especializadas, com inquéritos de 50, 60 volumes. Adotar sistema de rodízio não só é contraproducente, como humanamente inviável.

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A uma, se terá um conhecimento por demais superficial da situação dos autos. A duas, o rodízio chamará a atuar no feito magistrados que muitas vezes estão há muitos anos atuando em outra seara (juizados especiais, execução fiscal, varas cíveis, etc).

Se a ideia que permeia a especialização de Varas é de atuar com exclusividade em determinado ramo para, com a expertise gerada com a prática, melhorar a prestação jurisdicional em qualidade e quantidade, a adoção do rodízio irá na contramão de um judiciário comprometido com uma escorreita prestação jurisdicional.

Ademais, esta criação não estabelece garantia alguma, apenas exige a participação de mais um juiz para atuar no processo criminal, na fase de investigação, gerando, na prática, imenso tumulto processual. Macula o direito de defesa, já que o investigado terá que se reportar em cada fase a um juiz distinto, repetir toda a narrativa, o que vai de encontro à razoável duração do processo, direito fundamental, previsto no art. 5o, LXXVIII, da Constituição Federal, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O juiz de garantias deprecia a figura do magistrado, pois já se parte da premissa genérica e indiscriminada de que o juiz natural seja presumidamente suspeito e não tenha condições de julgar um processo com imparcialidade, quando é o inverso. O juiz natural é quem mais conhece o caso concreto para fins de fazer o melhor julgamento, pois atua desde o início no processo tem acesso às partes e aos elementos de prova, e tem mais condições de julgar de forma justa o litígio, tanto é que o art. 399, § 2o do CPP prevê o “princípio da identidade física do juiz”. Direito não só da acusação, mas principalmente da defesa.

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Reforçamos que os atos dos juízes criminais já estão sujeitos a inúmeros recursos e medidas, sendo hodierno que praticamente todas suas decisões estejam sujeitas a revisão de três instâncias (Tribunais, STJ e STF). As hipóteses que importam impedimento ou suspeição do magistrado, por fragilização da imparcialidade que norteia a atividade jurisdicional, encontram-se taxativamente previstas no Código de Processo Penal, sem qualquer menção à participação do magistrado na fase pré-processual, ou na análise de medida cautelar anteriormente ao julgamento final.

A implementação do juiz das garantias, de forma açodada e sem ponderar as consequências ao sistema de justiça penal do país, irá favorecer a prescrição penal, justamente quando, historicamente no Brasil, agentes criminosos de grande poder econômico e político começaram a ser condenados e presos. Reforçamos a vinda da OCDE no Brasil e a preocupação da comunidade internacional com alterações e inovações legislativas recentemente ocorridas no Brasil, para que não ocorra retrocesso quanto à impunidade, e ao combate da corrupção no país, em especial."