A denúncia do Procurador da República em Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos, contra o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, professor Ubaldo Cesar Balthazar, deu entrada na 1ª Vara da Justiça Federal as 13h53 desta sexta-feira, 24 de agosto.  A alegação do Ministério Público Federal é de crime de injúria, capitulado no artigo 140 do Código Penal.

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O Chefe de Gabinete do reitor, professor Áureo de Moraes, também está sendo denunciado.  Em ambos os casos por “ato comissivo por omissão” durante ato comemorativo do aniversário da UFSC, em dezembro de 2017, quando houve homenagem ao falecido reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que se suicidou depois de preso em inédita operação realizada na UFSC.

A acusação sobre os dois professores é a de que permitiram protestos, com faixas e cartazes contra a delegada Érika Marena, que conduziu a operação da Policia Federal, consideradas ofensivas.

Os professores alegaram que os protestos foram feitos após o início da cerimônia e que no âmbito da universidade não lhes cabia impedir as manifestações. Alegações feitas durante o inquérito instaurado na Polícia Federal.

O procurador Marco Aydos requer, também, indenização de R$ 15 mil por danos morais à delegada. Érika Marena foi transferida para Sergipe, onde exerce o cargo de Superintendente Regional da Policia Federal.

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Entre os motivos alegados para oferecer a denúncia, o Ministério Público Federal aponta a veiculação dos protestos pela TV UFSC.

O reitor Ubaldo Balthazar foi inteirado da denúncia no fim da tarde, quando se encontrava em Araranguá para presidir cerimônia de formatura de novos alunos no campus da UFSC no sul do Estado.

Ele exercia em dezembro o cargo interinamente.  Foi o mais votado nas eleições deste ano, nomeado para mandato efetivo e assumiu no último sábado no campus da Trindade.

O TEOR DA DENÚNCIA    

O Ministério Público Federal, por seu Agente, amparado nos elementos de convicção colhidos no inquérito acima indicado, vem à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, oferecer denúncia em desfavor de:

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Ubaldo Cesar Balthazar
Áureo Mafra de Moraes,

por autoria, comissiva por omissão, pelo primeiro, e comissiva pelo segundo, dos seguintes fatos criminosos:

Na condição de Reitor pro tempore da Universidade Federal de Santa Catarina, o acusado UBALDO presidiu cerimônia oficial de “entronização da foto do ex-Reitor Cancellier na galeria de ex-Reitores”, com início às 11h de 18/12/2017, no Hall da Reitoria, localizada no Campus universitário, bairro Carvoeira, Florianópolis/SC. No espaço e tempo em que transcorreu tal cerimônia, manifestantes não identificados ofenderam a honra funcional da Representante, Delegada de Polícia Federal Érika Mialik Marena, através de exibição pública de faixa contendo fotografia da Ofendida associada aos dizeres “As faces do Abuso de Poder”, e “Agentes Públicos que praticaram Abuso de Poder e que levou ao suicídio do Reitor. Pela apuração e punição dos e envolvidos e reparação dos malfeitos!”, como mostra a seguinte figura, em detalhe, extraído de fotografia da faixa nos autos do IPL 0643/2017 (5026418-73.2017.404.7200, que apura a confecção e exposições da faixa em outras ocorrências).

Na outra extremidade da faixa, que continha fotografias de outras autoridades, aparecia a seguinte mensagem.

Segundo declarações do acusado UBALDO, “quando a cerimônia iniciou-se a faixa não estava no local, tendo sido colocada por trás após seu início”.

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A faixa acima reproduzida em detalhe inequivocamente ofende a honra funcional subjetiva da Representante, dando causa injustamente a diminuição do sentimento pessoal de autoestima, eis que publicamente caracterizada pela qualidade negativa de “agente público que pratica abuso de poder” e necessita de “punição” para “reparação dos [seus] malfeitos”. A injúria relaciona-se também inequivocamente ao desempenho funcional da Representante, em razão de investigação denominada Operação Ouvidos Moucos, envolvendo gestores da Universidade, entre os quais o ex- Reitor Cancellier.

Diante de tal situação, competia ao acusado, na condição de autoridade de primeira hierarquia da Administração universitária presente na solenidade, exercitar  polícia administrativo que coibisse o malferimento à honra funcional dos servidores públicos retratados na faixa, sendo-lhe exigível dever jurídico positivo de imediatamente retirar, ou mandar retirar, a faixa exposta naquela cerimônia oficial por ato de terceiros. Ao omitir-se de seu dever jurídico, o acusado atribuiu para si autoria da injúria ali perpetrada, não sendo relevante que não tenha sido ele quem tenha produzido a faixa ou determinado sua exposição durante tal cerimônia oficial da Universidade, tornando-se penalmente responsável por ato comissivo por omissão, nos termos do art. 13 do Código Penal, que dispõe considerar-se “causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Não se trata, portanto, de responsabilidade penal objetiva, não adotada em nossa tradição1.

Durante a cerimônia, na condição de chefe de gabinete do Reitor, o acusado ÁUREO MAFRA DE MORAES consentiu em deixar-se fotografar/filmar em frente a faixa injuriosa, como cenário de sua manifestação naquele evento, conferindo, consciente e dolosamente, caráter oficial à injúria ali perpetrada, como mostra o momento 0:51-0:56 do vídeo postado pela TV UFSC, reproduzido, em detalhe extraído da Figura 03 do Laudo 351/2018-SETEC/SR/PF/SC:

Cientes de que a cerimônia era filmada pela TV UFSC, os acusados agravaram suas condutas com causa de aumento de pena do art. 141, III, do Código Penal, por assumirem, consciente e dolosamente, o risco do efeito multiplicador do resultado, através de sua divulgação em vídeo oficial produzido pela TV UFSC e publicado no canal youtube no dia 18/12/2017, efeito multiplicador que se verifica pelo número de 147 visualizações, registrado em anexo à Informação 776/2017, em 27/12/2017, e o número aproximado de 10 mil visualizações registrado na data de ontem, 23/12/2018. Além disso, tal efeito multiplicador repete-se até recentemente, como demonstra link para o vídeo UFSC 57 anos, em reportagem da Folha de São Paulo de 27.jul.2018, com título “PF intima professor da UFSC após evento com críticas à polícia”.

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II – Materialidade e autoria

Comprovam materialidade e autoria os seguintes elementos de prova:

LAUDO No 351/2018-SETEC/SR/PF/SC tendo por objeto a preservação de conteúdo de sítio eletrônico contendo vídeo da ocorrência com título “Universidade Já – UFSC 57 anos”, veiculado pelo canal youtube sob responsabilidade dos dirigentes da TV UFSC ;

Confissão extrajudicial pelo acusado UBALDO, que declarou nada ter feito para fazer cessar  o resultado criminoso da exposição da faixa porque não quis, eis que “perguntado o que entende que demonstra o discurso do Reitor com aquela faixa por trás, gravado e divulgado pela imprensa da própria Universidade, responde que não demonstra nada, pois é uma conclusão da maior parte da comunidade acadêmica que o suicídio do Reitor decorreu da sua prisão e proibição de acesso à Universidade, portanto o discurso na frente da faixa não acrescenta nada a esse entendimento” .

III – Versão dos acusados

UBALDO escusa-se de responsabilidade alegando que “não leu os dizeres da faixa, apenas lembrando que havia algumas fotos nela”, versão fortemente inverossímil e que não se compatibiliza com sua opinião quanto ao suposto caráter inofensivo da faixa. ÁUREO admite que discursou na cerimônia, que “a faixa alusiva aos servidores federais, que é objeto deste inquérito, foi colocada no local durante o evento e portanto acabou aparecendo no vídeo”, mas alega não ser responsável por discursar em frente a faixa injuriosa, porque a decisão para que “a faixa ficasse atrás das pessoas que discursaram foi uma opção das pessoas que a exibiram”, negativa de autoria  que não se compatibiliza com a disciplina da responsabilidade penal prevista nos artigos 13 e 29 do Código Penal.

IV – Classificação penal dos fatos

Assim agindo, incorreram os acusados nas sanções penais do art. 140, c/c 141, II e III, do Código Penal, consistentes em detenção de 40 dias a 8 meses, ou multa, mediante circunstâncias agravantes do art. 61, II, “g”, por violação de dever funcional, e 61, II, “b”, eis que suas condutas foram motivadas pelo desejo de “facilitar … a impunidade” dos crimes apurados na Operação Ouvidos Moucos. A classificação penal admite, em tese, transação penal, benefício que não será proposto, com ressalva de possibilidade de reexame em caso de requerimento de qualquer dos acusados, com amparo na faculdade constante do art. 76, § 2o, III, da Lei 9.099/1995, em razão de motivos e circunstâncias indiciários de que tal medida não é suficiente para reprovação social da conduta.

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V – Dano civil

Para os fins do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, propõe-se o valor mínimo estimado pela Ofendida, no patamar de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), que se mostra razoável, “levando em conta os meios utilizados e a forma de difusão das ofensas/acusações proferidas em razão de minha atuação funcional como servidora pública” (Ofício 36/2018-SR/PF/SE). Além dessas razões, a ofensa divulgou a fotografia da Ofendida, não apenas seu nome, circunstância de especial gravidade geradora de risco potencial à sua integridade física em tempos de quebra generalizada de padrões mínimos de civilidade e urbanidade.

VI – Requerimentos

Ante o exposto requer:

a) recebimento da denúncia e citação dos acusados para todos os atos do processo penal até final sentença;

b) provar as imputações através de vídeo, preservado pela perícia, prova irrepetível suficiente para instauração do processo e condenação dos acusados, na forma deduzida na presente denúncia;

c) na instrução, a inquirição da Ofendida Érika Mialik Marena, servidora pública federal, ocupante da função de Superintendente Regional de Polícia Federal em Sergipe, com endereço na Avenida Augusto Franco, 2260, bairro Siqueira Campos, Aracaju/SE, CEP 49075-100, Telefone 79 3234-8580;

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d) por fim, a condenação dos réus nas sanções penais cabíveis.

e) condenação acessória à reparação do dano moral, em valor mínimo proposto na presente denúncia, para cada um dos acusados.

Florianópolis, 23 de agosto de 2018
Marco Aurélio Dutra Aydos -Procurador da República.

 

Veja também:

Procuradoria denuncia reitor da UFSC na Justiça

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