Confira a íntegra da decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que negou pedido de liminar à Ação Direta de Inconstitucionalidade contra emenda à Constituição do Estado elevando a transferência dos repasses ao setor saúde de 12% para até 15%.
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O pedido ao ministro foi feito pessoalmente pelo governador Carlos Moisés da Silva na última viagem a Brasilia.
O despacho é o seguinte:
“Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina, tendo por objeto o artigo 11 da Lei Complementar federal 141/2012 e a Emenda Constitucional estadual 72/2016, que versam percentuais mínimos da arrecadação de impostos a serem investidos em ações e serviços públicos de saúde, in verbis:
Lei Complementar federal 141/2012
Art. 11. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão observar o disposto nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas sempre que os percentuais nelas estabelecidos forem superiores aos fixados nesta Lei Complementar para aplicação em ações e serviços públicos de saúde.
Emenda Constitucional 72/2016 do Estado de Santa Catarina
Art. 1o O art. 155 da Constituição do Estado de Santa Catarina passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 155. (…)
§ 2o O Estado e os Municípios anualmente aplicarão em ações e serviços de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento), calculados:
I – no caso dos Municípios, sobre o produto da arrecadação dos Impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3o, todos da Constituição Federal;
II – no caso do Estado, sobre o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a e inciso II, todos da Constituição Federal, observado o disposto no art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
§ 3o Lei Complementar federal estabelecerá as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas estadual e municipal.
§ 4o Os montantes a que se referem os incisos I e II do § 2o, serão aplicados por meio do Fundo Estadual de Saúde, sob acompanhamento e fiscalização do Conselho Estadual de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 62.
Art. 2o O art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 50. A aplicação mínima a que se refere o art. 155, § 2o, inciso II, da Constituição do Estado, em ações e serviços públicos de saúde, será gradativamente implementada até o exercício fiscal de 2019, observado que:
I – no exercício fiscal de 2017 serão aplicados 13% (treze por cento);
II – no exercício fiscal de 2018 serão aplicados 14% (quatorze por cento);
III – no exercício fiscal de 2019 serão aplicados 15% (quinze por cento).
Art. 3o Esta Emenda à Constituição do Estado vige a partir da data de sua publicação.
Como parâmetro de controle, o requerente indicou os artigos 48, II; 60, §§ 2o e 4o, III; 165, III; 167, IV; e 198, § 3o, I, da Constituição Federal, bem como o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias."
Em síntese, o requerente alegou que a distribuição de competência legislativa seria matéria exclusiva da Constituição Federal e não poderia ser delegada aos entes federados. Nesse contexto, aduziu que o constituinte derivado e o Poder Legislativo federal fixaram um percentual mínimo de investimento em saúde a ser observado pelos Estados e Municípios, de forma que não poderia a Assembleia Legislativa estadual definir um percentual obrigatório mais elevado.
Acresceu que a norma estadual impugnada ainda padeceria de inconstitucionalidade formal, porquanto qualquer vinculação de receitas apenas poderia ocorrer mediante iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo, sob pena de violação à separação dos poderes.
Considerando o objeto da presente ação direta e a relevância da matéria versada, determinei fosse aplicado o rito veiculado pelo artigo 12 da Lei federal 9.868/1999 (doc. 8).
A Câmara dos Deputados se limitou a afirmar que a norma federal impugnada foi fruto de processo legislativo regular (doc. 13).
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina defendeu a constitucionalidade da Emenda Constitucional estadual atacada (doc. 15). O Presidente da República aduziu que o artigo 11 da Lei Complementar federal 141/2012, ao permitir que os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios estabeleçam percentuais mínimos de aplicação de recursos na área da saúde em patamares superiores ao previsto na referida lei federal, privilegiou a autonomia dos entes federativos, consideradas suas necessidades e possibilidades financeiras (doc. 21).
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A Advogada-Geral da União exarou parecer pelo conhecimento parcial da ação e, no mérito, pela improcedência do pedido, nos termos da seguinte ementa, in verbis:
Financeiro. Artigo 11 da Lei Complementar federal no 141/2012 e Emenda no 72/2016 à Constituição do Estado de Santa Catarina. Definição de percentuais mínimos de aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde. Prejudicialidade parcial da ação direta.
Exaurimento da eficácia de um dos dispositivos questionados. Preliminares. Ausência parcial de pertinência temática e de impugnação especificada. Mérito. Diplomas normativos editados com respaldo no artigo 198, § 2o, inciso II, e § 3o, inciso I, da Constituição Federal. Validade da majoração, mediante emenda à Constituição do Estado, do percentual mínimo fixado pela lei complementar federal. Matéria de natureza constitucional. Adequada delimitação de atribuições típicas conferidas aos Poderes Executivo e Legislativo. Razoabilidade dos percentuais definidos pelo Constituinte decorrente. Providência que contribui para a concretização do direito constitucional à saúde, sem provocar os vícios de inconstitucionalidade alegados pelo autor. Manifestação pelo não conhecimento parcial da ação direta e, quanto ao mérito, pela improcedência do pedido. (doc. 24)
A Procuradora-Geral da República, por sua vez, manifestou-se no sentido da procedência do pedido de mérito, em parecer assim ementado, in verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 11 DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL 141/2012 E EMENDA CONSTITUCIONAL 72/2016, DE SANTA CATARINA. VINCULAÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO DA ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA PARA APLICAÇÃO EM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE (ASPS). MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR NACIONAL, PELO ART. 198, §§ 2o E 3o, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. USURPAÇÃO DE INICIATIVA LEGISLATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO (CR, ART. 165, II E III). VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À VINCULAÇÃO DE RECEITAS
ORÇAMENTÁRIAS. INCOMPATIBILIDADE
EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE REAVALIAÇÃO QUINQUENAL DE PERCENTUAIS DE INVESTIMENTO EM ASPS (CR, ART. 167, IV).
1. Nos termos do art. 198, §§ 2o e 3o, da Constituição da República, compete ao Poder Legislativo da União, por meio de lei complementar nacional (ADI-MC 2.894/RO), estabelecer os percentuais de receitas de impostos dos entes federados a serem destinados a ações e serviços públicos de saúde (ASPS).
2. Definição de percentual de vinculação de receitas tributárias em montante superior ao estabelecido pelo legislador nacional, por meio de inserção de dispositivo em Constituição estadual, usurpa a iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo (CR, art. 165, II e III) e afronta a vedação do 167, IV, da Constituição da República.
– Parecer pela procedência do pedido.(doc. 28)
Em 17/01/2019, o requerente reiterou o pedido de concessão de liminar. Em 18/01/2018, juntou aos autos ofício apresentado pela Secretaria de Fazenda do Estado (doc. 32), “narrando a grave situação financeira e institucional decorrente da aplicação das normas impugnadas na presente ação, o que robustece a comprovação do periculum in mora na espécie, a fim de justificar a urgente concessão da medida liminar formulada na exordial”.
Em síntese, referido ofício indica a existência de fatos novos que teriam contribuído para o agravamento do quadro financeiro do Estado de Santa Catarina, a saber:
(i) “não será possível atender aos percentuais mínimos estabelecidos pela EC Estadual n. 72/2016 para ações de saúde, notadamente no exercício de 2019, quando o percentual passa para 15% ‘sobre o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, línea ‘a’ e inciso II, todos da Constituição Federal”;
(ii) “[a] urgência na análise do pedido de tutela provisória, ou mesmo do mérito do processo objetivo, poderá levar o Chefe do Poder Executivo Estadual à responsabilização penal (Decreto Lei no 20/67, por meio do art. 1o, XI; e arts. 5o e 92 da Lei no 8.666/93), administrativa e ter as futuras contas rejeitadas pela Corte de Contas, na medida em que não conseguirá honrar as obrigações de pagamento na ordem cronológica concomitantemente com os repasses mensais à saúde”;
(iii) “em 11 de dezembro de 2018, a Assembleia Legislativa Catarinense promulgou a Lei n. 17.527/18, de origem parlamentar, derrubando portanto o veto pelo Governador do Estado […], a qual prevê:
Art. 2o Até o 15o (décimo quinto) dia de cada mês serão impositivamente repassados ao Fundo Estadual de Saúde, sob a forma duodecimal, os recursos consignados à área da saúde na Lei Orçamentária Anual (LOA), observadas as disposições do art. 155 da Constituição Estadual e do art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Estadual, na forma das redações que lhes foram dadas pela Emenda à Constituição no 72, de 9 de novembro de 2016”.
É o relatório.
Ab initio, consigno que, quando do exame do pedido liminar originalmente formulado, enfatizei a conveniência de que a decisão da matéria sub examine viesse a ser tomada em caráter definitivo, mediante a adoção do rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei federal 9.868/1999.
Conquanto o Governador do Estado de Santa Catarina discorra, em suas manifestações, sobre a superveniência de fatos que, alegadamente, tornariam premente a suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados, não vislumbro, por ora, elementos aptos a justificar a concessão da liminar. Não se extrai dos autos suficiente comprovação de que a situação financeiro-orçamentária do ente federativo tenha sofrido modificações sensíveis nesse ínterim, nem de que os motivos para os alegados desequilíbrios surgiriam ou seriam agravados pela obrigação de aplicação de percentuais mínimos de 15% da arrecadação de impostos em ações e serviços públicos de saúde.
Insuficiente, para tanto, a mera alegação de que “os efeitos do aumento percentual em ações e serviços públicos de saúde – ASPS causarão no exercício corrente um completo desequilíbrio financeiro no Estado. Em 2018, apesar de ter sido cumprido o percentual majorado à Saúde (14, 10%), o fechamento financeiro evidenciou um déficit de R$ 637,5 milhões – o qual foi, em grande parte, decorrência das dívidas da Saúde e a capacidade do Estado em pagá-las” (doc. 32), desacompanhada de documentos aptos a demonstrar, efetivamente, a plausibilidade da assertiva.
Tampouco a derrubada, pelo Poder Legislativo, do veto aposto pelo Poder Executivo ao art. 2o da Lei estadual no 17. 527/2018 é capaz de infirmar as conclusões acima. É que, embora de fato a mencionada norma determine que os repasses financeiros ao Fundo Estadual de Saúde, sob a forma duodecimal, dos recursos consignados à área da saúde na Lei Orçamentária Anual (LOA), sejam realizados até o 15o (décimo quinto) dia de cada mês, a mesma Lei admite que, em caso de comprovada frustração da arrecadação tributária, os repasses duodecimais subsequentes poderão ser proporcionalmente contingenciados. Confira- se, in verbis:
Art. 2o Até o 15o (décimo quinto) dia de cada mês serão impositivamente repassados ao Fundo Estadual de Saúde, sob a forma duodecimal, os recursos consignados à área da saúde na Lei Orçamentária Anual (LOA), observadas as disposições do art. 155 da Constituição Estadual e do art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Estadual, na forma das redações que lhes foram dadas pela Emenda à Constituição no 72, de 9 de novembro de 2016.
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§ 1o Em caso de comprovada frustração da arrecadação tributária estimada na LOA respectivamente vigente, em trimestre anterior, até o final do exercício fiscal os repasses duodecimais subsequentes poderão ser proporcionalmente contingenciados, em face do efetivamente arrecadado.
§ 2o Em caso de comprovado incremento posterior da arrecadação tributária contingenciada na forma do § 1o deste artigo, até o final do exercício fiscal os repasses duodecimais subsequentes deverão proporcionalmente compensar o déficit financeiro havido, em face das dotações orçamentárias originalmente consignadas. (Veto parcial rejeitado MSV 1264/18)
Por outro lado, in casu, é significativo o periculum in mora inverso, porquanto eventual concessão da medida liminar poderia resvalar na diminuição da receita a ser destinada à saúde – área já notoriamente periclitante em todo o Estado brasileiro –, com graves riscos à manutenção de serviços essenciais e, consequentemente, ao atendimento da população em geral.
Destarte, a análise dos autos revela que o presente caso não se enquadra no artigo 13, inciso VIII, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, para fins de atuação da Presidência desta Corte.