Todo assunto se torna pré-histórico em 24 horas, mas gostaria de voltar ao episódio em que Gil foi atacado verbalmente no Catar. Replay: ele estava no estádio para ver o jogo de estreia do Brasil e um estranho lhe disse as besteiras de sempre sobre a Lei Rouanet, até que, quando Gil passou pelo sujeito, em silêncio, sem revidar, foi chamado, em alto e bom som, de “filho da puta”. Peço desculpas por transcrever o palavrão, mas a intenção é reproduzir a agressividade como se deu.
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Teve quem não entendesse a repercussão. Ué, as pessoas não ofendem a Regina Duarte? Não lembro de alguém ter dito a ela, cara a cara, algo nesse nível – e ainda gravar e postar. Se aconteceu, repudio também. Sou contra insultar pessoas dentro de aviões, restaurantes, hotéis. Causar constrangimento público é uma baixeza. Mesmo que a figura seja deplorável, podemos nos manifestar através do voto ou nos tribunais, vaiar durante um comício ou espetáculo, escrever o que pensamos em nossos perfis nas redes. Jamais interromper com violência o almoço dessa pessoa em família ou seu direito de ir e vir.
Um dia, voltaremos a valorizar a boa educação, mas quando? A virulência das palavras tem substituído as argumentações. Dizer o que bem entende ganhou status de autenticidade – cortesia do antigo governo e do mundo virtual, esse ringue que começa a se espalhar pelas ruas das cidades.
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Mas com o Gil, alto lá. Gil não é apenas autor de canções fenomenais, um imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), um homem de 80 anos que, a despeito de toda a contribuição à cultura, ainda formou uma família inspiradora (assista à série “Em casa com os Gil”). Não é um destrambelhado, uma pessoa polêmica, um sujeito imoral. Gilberto Gil é um dos homens essenciais do país. Basta um único brasileiro desrespeitá-lo para que falhemos como nação.
Ninguém é obrigado a gostar de sua arte ou posicionamentos, mas com um mínimo de sensibilidade e informação, percebe-se quando uma trajetória é digna. Gil é inatacável. Um homem suave, que divulga nossa música para o planeta, que nos incentiva a amar, um poeta. Um baiano. Um negro. Um brasileiro raiz. Um homem com inteligência serena, de olhos ternos e mente larga, apaixonado pelas palavras, encantado pelo pensamento, que faz parte de uma turma de gênios que não viverão para sempre, e nós somos contemporâneos dessa referência, era para cairmos de joelhos à sua frente. São raros os deuses possíveis, visíveis, humanos.
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Não foi um caso isolado, Fernanda Montenegro sofreu estupidez semelhante. O Brasil perdeu parâmetros básicos, passou a desprezar sua riqueza intelectual, vem desgastando seus alicerces mais sagrados. Um fiasco que é preciso combater, ou se tornará vegetativo, um país que não dará em nada.
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