Caetano Veloso tem viajado pelo Brasil lançando o disco Meu Coco. Em Porto Alegre, onde o assisti, uma coisa me chamou a atenção. No exato segundo em que ele entrou no palco, o entusiasmo com que foi recebido calou a cidade lá fora. Eram mais que aplausos, era o clamor de uma admiração que transbordava, milhares de corações disparados, afeto sonoro e gigantesco.
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Bom, até aí, é o que se espera do contato inicial entre o artista e seu público, só que a efervescência não diminuiu no decorrer do show, o auditório manteve a fervura, jamais esfriou: declarações de amor eram gritadas de três em três minutos e todos pareciam querer abraçar aquele homem de quase 80 anos que estava ali, a poucos metros de distância. Não era um fanatismo adolescente, como nas plateias dos Beatles, e nem desafogo depois da tranqueira imposta pela pandemia. Era algo maior e mais bonito. Era um país grato.
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Sei que o Brasil não é homogêneo nos gostos musicais e nem mesmo alguém da estatura de Caetano é uma unanimidade, o que não impede de eu escrever aqui sobre a vasta parcela da população que, gostando ou não do que ele diz e canta, de quem ele apoia ou deixa de apoiar, reconhece a importância que a arte de qualidade tem para a construção de uma nação. Esse reconhecimento é um pilar, sustenta o nosso futuro. Ai de nós se desaprendermos a dar valor ao que é fundamental.
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Em um país que tem se dedicado mais a destruir do que a construir, mais a mentir do que enfrentar os desafios, é obrigatório reverenciar os que nos ajudam a largar a barra da saia da mãe. A arte nos amadurece. Ela confia que podemos ir além do pensamento médio. Ela nos ajuda a vencer o medo das mudanças. Tira as rodinhas das nossas bicicletas, para que possamos avançar por nós mesmos.
De que vale uma vida intelectualmente preguiçosa, que se recusa a ir ao encontro do conhecimento, que não se deixa tocar pelo sagrado que há também fora das igrejas? Teatros, cinemas e livrarias são templos. Existir, a que se destina: não à alienação, nem à covardia.
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Cada vez que morre um João Gilberto, uma Elza Soares, uma Lygia Fagundes Telles, nós, que tanto aprendemos com eles sobre a beleza e a dor dos sentimentos, e que através deles confirmamos o quão transformador é o saber, deveríamos manifestar nosso profundo agradecimento sempre que a ocasião permitisse – e aos vivos, o tempo todo.
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As pessoas se tornam mais interessantes através da arte. Ela é o único poder que emociona e salva. O resto são podres poderes, ridículos tiranos, capatazes com a burrice fazendo jorrar sangue demais. Que as plateias sigam dando o próprio show de calor humano e coloquem o coração na mão por aqueles que ainda mantém nossa esperança.
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