É a pergunta clássica feita aos que atingem uma rara unanimidade. Se há quem o despreze, é por desconhecer o currículo ou por insolência boba – esnobar alguém que todo mundo gosta é um meio de se diferenciar. Sou do time que presta reverência a esse argentino que emenda um filme no outro sem medo de cansar a plateia – em vez de saturada, ela quer mais e mais e mais de Darín, extasiada com a presença na tela e na vida.
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Temos aí um ponto. Darín não é apenas um grande ator, mas um grande ser humano. E essa junção faz diferença, sim. Sucesso e inteireza se cumprimentam e até dormem juntas. Se você já assistiu a alguma entrevista com ele, sabe que espécie de homem ele é (falo em assistir, e não ler uma entrevista, pois o olhar, a voz e os gestos de um entrevistado traduzem a alma mais do que palavras impressas).
Viralizou um depoimento que ele deu certa vez a um programa de TV, em que afirma não ficar tentado a fazer carreira em Hollywood. “Pra quê? Para interpretar um narcotraficante mexicano?”. Darín não se interessa em promover estereótipos e não objetiva ter mais dinheiro do que tem. “Tomo dois banhos quentes por dia. Tenho uma família fenomenal. Recebo abraços das pessoas na rua. Preciso mais do quê?”.
O ingênuo entrevistador comete a insensatez de sugerir jatinhos. Darín ri e não comenta, nem precisa. Jatinhos? Hangar, manutenção, combustível, funcionários. Jatinhos garantem um deslocamento fácil, mas e o deslocamento da realidade que vem embutido? Isolar-se não conecta pessoas. Em vez de focar em ter fortuna, que induz ao excesso de consumismo, mil vezes trabalhar menos, voltar para casa mais cedo e pedir uma pizza. Desculpe aí o provincianismo, sei que pode soar chocante.
Ricardo Darín esbanja integridade e retidão de caráter, e não apenas por interpretar homens de boa índole, como no excelente “A Odisseia dos Tontos”, que está em cartaz – ele também já adicionou alguns vilões na filmografia. Darín é íntegro porque não se vende, não se deslumbra, não cai na esparrela de se comportar como um astro. Tem luz própria suficiente, consciência social, compreende a importância da moralidade e o talento dispensa caras e bocas. É másculo e sensível, o combo dos sonhos. Um sujeito confiável, que mantém o ego sob controle. Quantos desse naipe você conhece?
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O autoendeusamento é não só ridículo, como entediante: a indústria do entretenimento produz semideuses em série, todos com o rótulo de “inatingível” grudado na testa. Darín poderia ser o vizinho da porta ao lado. Mas não é. Então vá ao cinema, nem que seja para ter a sensação de que ele entraria no elevador e daria bom dia para você.