E chega mais um dia de Finados. Momento de lembrar aqueles que se foram. Com serenidade, sem as tormentas do luto. Já perdi avós, tios, dois primos muito queridos. E um grande amigo da juventude, que partiu cedo demais. A recordação deles me conforta. Não há o que fazer: compartilhamos experiências e alguns se vão antes, outros depois, é da dinâmica da existência.

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Nesta segunda-feira, a recordação de cerca de 157 mil famílias não será assim tão etérea, protegida pela passagem do tempo. Elas ainda não secaram as lágrimas. A morte ainda não abandonou o quarto, a sala, o jardim onde meses atrás habitava alguém amado. Claro, não se perdem amores apenas para a Covid, mas também para acidentes, violência urbana, outras doenças. Mas esse número, 157 mil, evoca a morte de um Brasil que temo nunca mais rever, um país que daqui a dois anos poderá ser sepultado, caso insista na estupidez de se autodestruir.

O Brasil do qual começo a me despedir é o Brasil da bossa nova, da Tropicália, dos poetas contemporâneos, da irreverência criativa. O Brasil da literatura, do teatro, das artes plásticas, do cinema: tínhamos uma identidade nacional, reconhecida mundialmente pela originalidade. Meio-ambiente, costumes, diversidade: valores sortidos. Mesmo a política não sendo nosso melhor cartão postal, superamos uma ditadura, conquistamos a democracia. O Brasil existia. Estava vivo. Inspirava.

O Brasil do qual começo a me despedir é o Brasil da bossa nova, da Tropicália, dos poetas contemporâneos, da irreverência criativa. 

Agora, essa tentativa de espatifar com tudo. Vozes isoladas ainda se encontram em perfis de redes sociais a fim de tentar reconstruir uma unidade, manter uma consciência, mas a desilusão já avisa na sala de espera: estamos perdendo o Brasil. No lugar dele, surge esse novo país que de brasileiro tem muito pouco, ocupado por uma gente medíocre, orgulhosa da própria ignorância. E covarde: com medo de evoluir, aprender, arejar. Medo de se divertir. Medo de viver com poesia, com sonho, com ideais. Medo do prazer.

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Neste Finados, não vou chorar meus mortos, eles tiveram a sorte de viver num país difícil, mas não vexatório; um país desigual, mas que reconhecia suas riquezas e buscava soluções. Vou lamentar, isso sim, os que morreram pela irresponsabilidade de um lunático que não levantou um dedo para defender cidadãos que precisavam de uma orientação madura em meio à crise sanitária mundial, e lamentar por todos nós, inclusive por quem acha que estou exagerando, que a alternativa seria pior, que acredita que agora sim, de arma em punho e cabeça oca, chegamos lá.

Saudade de um Brasil que errava e acertava, mas que crescia, mesmo aos trancos. Agora ninguém mais cresce, agora o objetivo é nos amiudar. Nos tornar cada vez menores, anões pela própria natureza, essa natureza pálida e triste que nunca foi a nossa.

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