Recentemente fui instigado por dois colegas de profissão (Gustavo Schwabe e Amanda Santo), sobre o perigo de um "vírus" tão perigoso e preocupante quanto o "novo coronavírus" – ou seja – as falsas notícias (ou fake news).

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Semelhante ao novo coronavírus, elas se espalham e contagiam com um alcance e velocidade impressionantes. Sobre elas, já existem estudos, pesquisas e até vacinas bastante eficazes e curiosamente, em todas essas vacinas, um princípio ativo em comum – educação.

Respondi um breve questionário enviado por eles, da base em que se encontram, isolados pela pandemia mundial – Bariloche/Argentina – e de onde pretendem sair quando possível para continuar uma caminhada pelo planeta, registrada a cada semana numa bela revista digital denominada: Caminhos do Mundo.

> Você teria coragem de deixar tudo e por o pé na estrada?

Penso que os questionamentos foram muito mais profundos do que as respostas que humildemente enviei para o Gustavo e Amanda. Aliás, é sempre muito mais difícil formular uma pergunta ainda não feita, do que elaborar uma boa resposta.

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Por entender que esse assunto é por demais importante, tomei a liberdade de dividir com vocês o questionário e colher a opinião dos leitores, fortalecer alguns conceitos e quem sabe aprofundar o diálogo que procuro manter em todos os veículos em que trabalho.

Vamos ao questionário:

P) A proliferação das fake news pode ser considerada o maior desafio que você já enfrentou na carreira?

Considerando o início em rádio (1966) – completei recentemente 54 anos de profissão. Acredito, desde o início da carreira, que o principal propósito do jornalismo seja buscar e oferecer o maior número de “circunstâncias que cercam um fato”, para que o consumidor da informação possa construir o tal “fato”; Compactuo da ideia de saber/conhecer como interpretação dos fatos no pensamento do filósofo Friedrich W. Nietzsche (1844- 1900). Nietzsche parte da noção de que saber/conhecer é interpretar o fato, já que este não existe nele mesmo – feito, acabado – independente de uma interpretação.

Sendo assim, desde o início de minha vida profissional, enfrento as “falsas notícias” (Fake news), as circunstâncias criadas propositalmente pela imaginação ou intencionalmente distorcidas, comprometendo a formação da ideia do fato, por quem recebe. Concluo entendendo que tudo isso ganhou um impulso espetacular, fenomenal e estrondoso com o advento da grande rede (www). Facilitando a disseminação das circunstâncias, muitas vezes distorcendo os fenômenos e encaminhando as situações de acordo com seus interesses, a Internet e muito especialmente o advento das Redes Sociais – constituem o principal desafio que enfrentam aqueles que acreditam nos princípios do verdadeiro jornalismo.

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> Comprova: vacinas para Covid-19 que chegaram ao Brasil são para testes e não para imunização da população

P) Muitas empresas de comunicação adotaram a estratégia de se colocar como “referenciadores” de conteúdo nesse momento. O lugar onde o público pode ir para separar “verdades e mentiras”. Mas essa é a melhor estratégia a partir do momento que, como disse o ex-presidente dos EUA Barack Obama, “um dos maiores desafios que temos em nossa democracia é o fato de não compartilharmos a mesma base de fatos”? Como informar o público com fatos se a visão prévia deste público sobre o que são fatos já está contaminada e definida?

Posso estar enganado, mas pelo menos até aqui, esse ainda é o grande argumento (senão único) a ser utilizado pela mídia tradicional e está alicerçado exatamente na ideia proposta pelo Presidente Americano – mesmo que no subconsciente, ainda é de se supor – independente da base de fatos – que a mídia tradicional seja “responsável” pelas notícias/reportagens que apresenta; que confirma a veracidade dos “fatos” antes de leva-los ao ar e sabe/conhece uma legislação que exige essa responsabilidade.

Por outro lado, na mesma “base de fatos” está claro que a “credibilidade” construída pelas empresas da mídia tradicional é proporcional a seriedade com que trata essas informações. Finalmente, penso que esse “posicionamento” servirá para a manutenção de sua existência, até o momento em que as mídias “alternativas” conseguirem mostrar-se dignas da confiança dos consumidores. Aliás, muitos blogs, sites e até empresas tidas como “alternativas” já se consolidaram nesse mercado e comprovam ser possível e viável construir o conceito de credibilidade que sustenta uma empresa de comunicação que tem o jornalismo como principal produto e até receita.

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Imagino que esse processo ganhe agilidade/velocidade, proporcionalmente ao desenvolvimento de processos e meios que transformem a produção/trabalho em dinheiro/lucro (monetização), uma vez que na mídia tradicional isso já está bastante consolidado (embora sofrendo crescente abalo e concorrência).

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P) O acadêmico Stanley Fish provocou: “A morte da objetividade ‘me alivia da obrigação de estar certo’. Ela ‘apenas exige que eu seja interessante.’” a verdade perdeu valor para o público?

No campo do jornalismo, objetividade é um atributo de um texto final. Para que um texto seja considerado objetivo, ele deve ser claro e conciso, além de apresentar um ponto de vista neutro. Discordo da afirmação do acadêmico. A morte da objetividade é a morte da credibilidade e sem credibilidade haverá qualquer coisa, menos jornalismo.

P) Cada vez mais, grandes corporações perdem credibilidade. As pessoas tendem a confiar em outras pessoas, não em empresas. Isso provocou uma personalização do nosso jornalismo, com personas se sobressaindo sobre marcas. Quais os prós e contras desse processo?

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Desde o início das grandes corporações pelo mundo todo, alguns profissionais conseguiram marcar suas trajetórias lastreadas pela ética, seriedade, empenho e competência pessoal. E, ao trocar de prefixo, levava consigo esse reconhecimento e a confiança de seu público.

Com o advento das redes sociais, essa condição parece não depender mais – exclusivamente – das grandes corporações ou das empresas da mídia tradicional. Em alguns casos ocorre o inverso. As empresas é que têm procurado pessoas, já relativamente consolidadas, na grande rede.

No entanto, as empresas continuarão dependentes também de outros competentes profissionais, muitas vezes “desconhecidos” do grande público para a produção, edição e coordenação do seu jornalismo. E por mais que um jornalista (figura pública) seja competente e possa desenvolver uma grande carreira, certamente será muito difícil conseguir abarcar todas as áreas numa grande cobertura. Penso que a somatória desses casos continue sendo possível, benéfica e necessária.

> As fake news que rondam o coronavírus

P) Pessoas comuns que compartilham fake news são mais vítimas ou mais cúmplices desse processo? é justo que sejam responsabilizadas?

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De forma bastante objetiva, entendo que – as pessoas que de início sejam vítimas, mas evoluam na compreensão de que sua atitude de compartilhamento sem verificação ou preocupação com as consequências colabora para a incorreta e criminosa disseminação de falsas informações e não passam a tomar outra atitude, passam a ser cúmplices imediatamente. Penso ainda que numa sociedade, o fiel da balança que vai definir qual dos dois pratos (vítima/cúmplice) irá baixar mais, chama-se educação formal.

Dica final:

Sempre que uma informação recebida por sua rede social venha deixá-lo surpreso demais, eufórico demais, apreensivo demais, preocupado demais ou descrente com o próximo e/ou com a vida, não acredite de primeira. Lembre-se que nem sempre uma "fake news" é uma mentira. Pode até ser uma notícia verdadeira, fora do contexto, ou apenas um trecho, que sacado do todo pode modificar sua interpretação até criminosamente. E o que fazer? como o que, quase sempre, distingue o veneno da vacina é a dosagem e a origem do princípio ativo também é a mesma, sua ajuda poderá ser encontrada na mesma internet que lhe transportou a mensagem e provocou a dúvida.

Hoje, há uma série de aplicativos e sites que trabalham exclusivamente para confirmar se uma informação é fato ou fake. E lembre-se – caso você compartilhe qualquer informação sem a segurança/garantia da fonte ou da própria notícia, alegar ignorância posteriormente não diminuirá sua cumplicidade.

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