Completando a deliciosa aventura do Jornal do Almoço em Buenos Aires, a passagem que relato em seguida não poderia ficar só em minha memória. Como eu contei anteriormente, na segunda viagem à Buenos Aires, eu e Luiz Carlos Prates fizemos o mesmo roteiro de ida: Florianópolis/Porto Alegre/Buenos Aires.

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Mas para o retorno, Claro Gilberto descobriu que havia um voo de Buenos Aires/São Paulo com escala em Florianópolis. Decolaria uma hora depois do voo de volta dos colegas do Rio Grande do Sul, mas ainda assim, chegaríamos duas horas antes do que chegaríamos em Floripa se viéssemos com eles, pois não precisaríamos passar pela alfândega e aguardar a conexão em Porto Alegre.

Era um voo VASP. Maravilha. Ficamos, Prates e eu, no Carsson Hotel em Buenos Aires uma hora mais descansando, antes de irmos para o Aeroporto Internacional Ministro Pistarini, comumente conhecido por Aeroporto de Ezeiza porque situa-se na cidade do mesmo nome, próximo aos bosques de Ezeiza, a 35 quilômetros da capital argentina.

Ali faríamos o check-in do voo VASP Buenos Aires/São Paulo com escala em Florianópolis. O pessoal da RBS do Rio Grande do Sul já havia embarcado às 15h e o nosso voo estava previsto para as 16h20min.

Chegamos ao aeroporto e por mais que procurássemos, não encontrávamos o balcão da VASP para fazer o check-in. E com o horário do vôo se aproximando, indagamos no balcão de informações e nos orientaram que deveríamos seguir até o final dos balcões e entrar à esquerda num pequeno beco em que duas empresas se espremiam. Uma delas era a VASP.

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Isso mesmo, “era” a Viação Aérea São Paulo, pois não havia mais nada naquele espaço. Nem mesmo luzes acesas. Apenas o balcão, muita poeira no chão e sobre alguns móveis. Pudemos identificar que ali funcionou a VASP porque o veludo azul que forrava a parede ao fundo ainda mostrava os espaços onde deveriam estar afixadas as grandes letras em aço inox com as iniciais da companhia aérea que tanto orgulhou os brasileiros e em especial os paulistas.

Onde havia as letras, o veludo manteve-se firme na cor natural azul escuro, não desbotando como nos demais espaço do veludo na parede. Então, você conseguia “ler” no veludo mais escuro a palavra VASP. Mas, não havia ninguém no local para nos atender.

Por alguns instantes eu e o Prates quase nos desesperamos. E agora, como voltaríamos para o Brasil? As passagens nas mãos ainda nos davam a esperança de alguma explicação convincente. Nisso, abre-se uma porta ao fundo, aparece uma senhora argentina, devidamente uniformizada como Guarda Civil (a semelhança daquelas Guardas de Aeroporto de Miami e Orlando nos EEUU) e de modo relativamente brusco pergunta:

– Los pasajeros VASP a Sao Paulo ?? Si es usted? (Passageiros da VASP para São Paulo?? São vocês?).

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– Sim!

– Así que coge las maletas y me acompañe. (Então, peguem suas malas e me acompanhem).

Sem questionar, levantamos a tampa que cercava a balança, saltamos por sobre a esteira que recebia as bagagens e lá fomos nós pelo corredor interno aos balcões (aquele cuja parede de vidro permite que você veja as aeronaves que estão ao longo dos fingers aguardando o embarque dos passageiros) e foi então que percebi uma grande aeronave (um MD-11) lá no final do corredor com a logo da VASP. Isso nos acalmou um pouco, pois pelo menos havia um avião da VASP por ali. E era exatamente aquela a nossa aeronave, aquele o nosso voo.

Agradecemos nossa cicerone e entramos no finger com alguma pressa pois imaginávamos ser os últimos a embarcar, em função do atraso pela procura do balcão quase inexistente. Fomos recebidos à porta da aeronave por quase toda a tripulação. Quatro Comissárias e três Comissários, além do que nos pareceu ser o copiloto ou Engenheiro de Voo.

– Sejam muito bem-vindos senhores. É uma honra podermos transportá-los de volta ao Brasil, especialmente à nossa querida Florianópolis.

Falou a Chefe da Tripulação. Senti um ar superlativo demais naquele cumprimento. Agradecemos e entramos em busca de nossos assentos.

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Como a aeronave era enorme, deixamos a primeira classe à esquerda e passaríamos pela Classe executiva rumo à econômica. No entanto, nos foi dito que poderíamos ocupar a poltrona que quiséssemos, inclusive na Primeira Classe, afinal, todos os passageiros já haviam embarcado e a decolagem aconteceria logo em seguida.

Qual não foi nossa surpresa quando verificamos que além de nós dois (Eu e Luiz Carlos Prates), havia apenas mais um “quase passageiro” que já havia se acomodado numa poltrona da classe executiva e dormia. O que estava acontecendo?

Uma aeronave enorme (que comporta de 293 a 410 passageiros) recebendo apenas três para um vôo internacional Buenos Aires/São Paulo com escala em Florianópolis? Pois era exatamente isso. Ou melhor, o MD 11 tinha em verdade dois passageiros (Prates e eu), pois soubemos depois que o terceiro passageiro, que dormiu a viagem toda, era funcionário da VASP pegando uma “carona” de volta para casa em São Paulo.

Decolamos sem muitas explicações. Tão logo atingimos a altitude/velocidade de cruzeiro (cerca de 13.000 metros ou 42.000 pés), a equipe de bordo foi até nossa poltrona e esclareceu – aquele era o último vôo da VASP na rota internacional Argentina/Brasil.

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Tudo fez sentido. Infelizmente a VASP – tradicional companhia paulista, passava por grandes dificuldades econômicas, tanto que foi à falência alguns meses depois.

Até mesmo o Comandante nos deu o prazer de uma conversa por alguns instantes, indagando se tínhamos horário determinado para chegar à Florianópolis e como dissemos que não, ele informou que havia uma tempestade sobre Montevidéu (Uruguai) e que nossa rota inicial era exatamente em sua direção. Como não tínhamos problemas de horário, ele solicitou mudança de rota, indo na direção de Asunción (Paraguai) entrando em Santa Catarina pelo Oeste rumo ao leste. Assim, contornamos a tempestade e tivemos um voo muito mais tranquilo.

Lembro-me que toda a tripulação havia nos identificado (Jornal do Almoço da RBS TV em SC) pelas escalas que faziam em Florianópolis e confesso foi um dos vôos mais divertidos que já tive o privilégio de fazer. Sem contar que tivemos um MD 11 e toda a sua tripulação à nossa disposição durante quase 3 horas.

Um dos últimos encontros com o Prates depois dessa aventura.
Um dos últimos encontros com o Prates depois dessa aventura. (Foto: Arquivo pessoal)

Meu colega Prates festejou a viagem, tomando todos os Campari a que tinha direito, trocando de poltrona/classe a cada 5 minutos e demonstrando toda a juventude de sua alma, cheia de sensibilidade e alegria. Sem contar as “brincadeiras” dos funcionários do Aeroporto Hercílio Luz e da Receita Federal, que ao passarmos pela Alfândega não queriam acreditar na história de que um MD-11 vindo de Buenos Aires pousara em Florianópolis apenas para deixar dois passageiros, sem ser um vôo charter contratado por “brasileiros milionários”.

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Assim, nós testemunhamos o último voo Buenos Aires/São Paulo, antes do fechamento definitivo da VASP.