Todos a conheciam por Zéfa.
Zéfa de Generosa.

Nascida Maria José Eleutéria de Mendonça, perdeu o pouco de tudo que os pais deixaram, ou seja – um pequeno sítio e uma casinha de material num bom bairro da cidade.

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Seu pai, Coronel Eleutério, morreu vítima de um enfarto fulminante sendo seguido pela esposa Generosa, a mãe de Zéfa, também do coração. Coração que parecia não ajudar Zéfa a encontrar companhia. E ela foi virando Zéfa – Zéfa de Generosa, a solteirona. Teve duas irmãs. Casaram-se há tempos, partiram para longe e nunca mais voltaram a vê-la.

E aos poucos, quase ninguém mais se lembrava que ela era filha de um Coronel.

O nome da mãe – Generosa – acoplado ao seu apelido – era mais que uma identificação da origem, passando a ser o sentimento pelo qual ela era adjetivada por toda a região do Passo do Macuco, desde as roças de Juca Pelado, até a Vila Farinha, lá no final da segunda curva, após a mangueira grande.

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Zéfa de Generosa…

Zéfa e seu inseparável companheiro Duque.

***

Ah! Desculpem, o Duque ainda não foi apresentado.

Um velho cachorro peludo que mais parecia um carneiro fugitivo de todas as tosas do mundo e que já velho, quase cego, insistia em acompanhar Zéfa de Generosa por onde fosse neste mundão de meu Deus.

Zéfa de Generosa no pedaço, Duque por perto.

E como ela não desenvolveu o costume virtuoso de cuidar de si própria, imagine se encontrava tempo para cuidar do Duque.

Seu “perfume” era, por assim dizer o de um sempre “cachorro molhado”, sabe como?…

Uma fissura labiopalatal de nascença, fez com que Zéfa de Generosa “chiasse” quando pronunciava a maioria das palavras e aquele som meio “fanhoso”, mais parecia o forte vento nordeste cortando as folhas do bambual lá de perto do Riacho dos Bugres.

Por isso, o cachorro era carinhosamente por ela chamado:

:- “DUNNNQUE”, vfenha cá sxeu caxshoro sxafado!

Aprendeu a benzer com a avó Das Graças, que tinha receita para tudo, desde espinhela caída, nó nas tripas, até ventre virado.

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E quando o assunto era a Poderosa Novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Zefa quem comandava.

Zéfa percorria as várias casas – uma a cada Sexta feira – comandando a reza, fizesse lua “inteira” ou “quebrada” lá no céu.

:- Afe Maria, schxeia de graça, o shxenhor é convoxsco…

E o coro respondia:

:- Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós os pecadores…

E assim, a vida corria solta lá pelas bandas do Passo do Macuco, desde as roças de Juca Pelado, até Vila Farinha…

***

Certa vez, chovia que Deus mandava.

A novena era na pequenina casa de Tião e Lindinha, jovem casal que apesar da boa vontade, não podia oferecer muito espaço para o grande público que vinha prestigiando a série naquele ano.

Zéfa de Generosa caprichava na chamada fervorosa da novena, quando pela porta entra Duque.

Não pede licença – esfrega-se em todo mundo, cheio de água e lama no pêlo acarrapichado e começa a esfregar-se nas pernas cansadas de Zéfa de Generosa, que ajoelhada em frente ao pequeno altar, de costas para o público, não perde a postura, nem o ritmo da oração:

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:- “Afe Maria, schxeia de graça, o shxenhor é convoxsco…

Sxeu caxshoro purguento… Passa DUNNNNQUE… Passa DUNNQUE !

(respira fundo)… Bendxhito é o fruto do vossxo ventre Jessxus…”

E como o cão não atende, Zéfa perde a estribeira momentaneamente:

:- Passa DUNNNQUE, caxshoro laxzarento, filho da p… Sxafado…

Zéfa respira fundo, recompondo-se e prossegue como se nada tivesse acontecido…

:- O pão nossxo de cada dia nos daí hodje…”