Tenho aproveitado esse período de isolamento pela pandemia do coronavírus para puxar da memória e registrar histórias reais, interessantes e/ou engraçadas que aconteceram ao longo desses quase 50 anos em que vivo em Santa Catarina.

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Cheguei em 1975, trabalhei em Lages até 1986 e desde então vivo e trabalho em Florianópolis, mas continuo transitando pelo estado sempre que as oportunidades surgem e aproveito para rever amigos, fazer novos e usufruir de um pedaço do mundo e de um povo que admiro como poucos.

Em 1975, trabalhei na Rádio Princesa de Lages (Equipe esportiva 1030 – com Sandro Santos/narrador, Quirino Ribeiro/Comentários, Rogério Ramos e eu/Repórteres/ Odail Bicca/Plantão e Silva Muller/Técnico de som) cobrindo o Campeonato Catarinense, os Jogos Abertos, os Jogos Escolares Brasileiros e outros importantes eventos esportivos. No ano seguinte fui contratado pela Rádio Clube de Lages e lá fiz parte de outra excelente equipe esportiva. Comigo foram para a Clube – Quirino Ribeiro, Rogério Ramos e Silva Muller, lá encontramos Evaldir Nascimento, Rubens D`Ávilla, Luiz Zanella Sobrinho, Servilho Ferreira entre outros importantes companheiros.

Já nos anos 80, a equipe tinha como narrador o saudoso Aldo Pires de Godoi (falecido em 11 de novembro de 2008), eu como comentarista e Evaldir Nascimento nas reportagens.

Comigo, Aldo Pires de Godoy - um dos grandes narradores catarinenses.
Comigo, Aldo Pires de Godoy – um dos grandes narradores catarinenses. (Foto: Arquivo Pessoal)

O fato que me veio à memória e que relembro aqui é bastante conhecido em Santa Catarina, mas posso garantir que sem os detalhes que passo a contar, pois vivenciei e dele participei “in loco” ao lado do Aldo, do também saudoso Evaldir Nascimento, testemunhado ainda pelo querido colega Alvir Renzi (ex juiz de futebol catarinense de Blumenau e correspondente da Rádio Bandeirantes nas horas de folga).

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Isso aconteceu em Itajaí no Estádio Dr. Hercílio Luz ou “Estádio das Avenidas”, como também é conhecido, numa noite em que a neblina tomava a cidade como uma espécie de “Fog Londrino”.

Na cabine de transmissão, Aldo Pires de Godoi narrando e eu comentando o jogo entre Marcílio Dias e Internacional de Lages.

Numa das laterais do gramado, o repórter Evaldir Nascimento e na outra, nosso “colaborador” Alvir Renzi que de folga naquela rodada se dispôs atuar como repórter de campo na “Jornada Esportiva da Rádio Clube de Lages”.

Ainda hoje o local é conhecido como “Estádio das avenidas” pois fica entre duas Avenidas: Coronel Marcos Konder e Sete de Setembro.

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Em paralelo com a Avenida Sete de Setembro, existem pelo menos três ou quatro ruas, sendo a última às margens da foz do Rio Itajaí-Açu a Avenida Ministro Vitor Konder. É por essa foz do Itajaí-açu que entram até hoje, os grandes navios que se dirigem aos portos fluviais de Itajaí e Navegantes.

O Estádio no canto baixo esquerdo e o rio por onde, até hoje, ingressam os navios.
O Estádio no canto baixo esquerdo e o rio por onde, até hoje, ingressam os navios. (Foto: Google maps)

Esse vai-e-vem de navios acontece noite e dia, com os rebocadores, conhecedores profundos do leito do rio, orientando os capitães como ingressar por ali sem perigo de encalhe ou choque com outras embarcações.

Da cabine tínhamos uma visão privilegiada do campo e de parte dos prédios maiores da cidade no entorno do estádio. A foz do Rio Itajaí-açu ficava à esquerda de nossa visão e entre nós e o rio alguns prédios de média estatura, com parte de suas luzes acesas formando uma visão até bonita ressaltada pela umidade da garoa que de vez em quando insistia em cair sobre a cidade.

Aldo Pires tentava dar emoção a um jogo tão frio e confuso quanto a névoa que descia sobre a cidade e o fraquíssimo público que comparecia ao estádio. Inter e Marcílio não iam bem no campeonato e o jogo mostrava por quê.

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De repente, o Internacional ataca pela direita em direção ao gol da esquerda de nossa cabine e o Aldo coloca o coração na narração do lance:-

Desce o colorado Lageano para o ataque. A bola está com Maciel que toca para Binho que devolve para Maciel já na ponta direita, ele se aproxima da linha de fundo, vai cruzar e… … … (silencio)…”.

Como não compreendi o por que daquela parada na narração, voltei os olhos e indaguei com a cabeça ao Aldo o que havia ocorrido e ele, meio petrificado com o olhar no vazio em direção aos prédios que preenchiam parte da paisagem entre o estádio e a foz do rio falou baixinho, mas o suficiente para a captação do microfone que continuava ligado próximo ao queixo :

“Acho que tem um prédio andando ali atrás, veja…!”.

Confesso que à primeira vista eu também me assustei com a constatação. No visual, um prédio deslocava-se de maneira calma como se flutuando ao fundo, atrás dos demais… Firmei os olhos e só depois de algum tempo percebi que se tratava de um enorme navio cheio de contêineres, cuja torre de comando era mais alta do que os prédios medianos que contemplavam a cidade e que, todo iluminado em suas torres, cabos e janelas assemelhava-se a um prédio em calmo deslocamento…

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Tentamos voltar à narração, mas quase não conseguimos quando nos demos conta do que se tratava…

Até poucos dias antes de partir, Aldinho negava esse fato. Até 2015 eu tinha o testemunho do meu compadre Evaldir Nascimento, que faleceu no dia 04 de abril daquele ano. Hoje me resta o apoio do querido amigo Alvir Renzi, com quem depois de alguns anos afastado do convívio (ele passou por uma difícil cirurgia no cérebro) me encontrei com a mesma alegria e disposição num evento promovido pelos Bombeiros na cidade de Blumenau.

Meu reencontro com Alvir Renzi recentemente em Blumenau. Lembramos do episódio e rimos juntos.
Meu reencontro com Alvir Renzi recentemente em Blumenau. Lembramos do episódio e rimos juntos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Rememoramos essa e outras histórias e podemos “jurar” que esse fato aconteceu exatamente como narro aqui e que além de absolutamente verdadeiro foi hilário e plausível, pois no primeiro momento eu também emudeci, achando tratar-se mesmo de um prédio que “andava” por detrás dos demais erguidos entre o Estádio e a Foz do Rio Itajaí-Açu.