” A gente tem que respeitar,
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quem tem histórias prá contar!”
Ouvi esta frase muitas vezes dita por meu pai, mais tarde pelo “seo” Carlos Jofre do Amaral (fundador do SCC/SBT-SC) em Lages quando cheguei a SC e outras tantas atribuídas ao jornalista Maurício Sirotski Sobrinho (Fundador da RBS), aqui em Florianópolis.
Sei que todos eles já haviam compreendido o seu significado e o aplicavam brilhantemente em suas vidas. E era esse o sentimento – respeito – que me despertava a figura matreira de Mané Gonçalo.
Não só pelas histórias que ele tinha para contar, mas também por elas.
Um velho marinheiro dos rios de areia e terra rachada pelo sol do sertão nordestino, cujos calos nas palmas das mãos eram pistas concretas de sua idade, como as inúmeras cascas do arqueado jequitibá ou os anéis do chacoalho da velha cascavel, que só ataca quando é atacada…
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E quando ele começava a contar suas histórias, era por perto dele que eu me acomodava. Ouvidos atentos e o coração mais do que aberto para recebê-las. Mas entre tantas e tantas, a que mais me marcou foi a que ele me contou em versos num cair da tarde. Talvez a mais bela e significativa passagem por ele vivenciada.
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Da boca de Mané Gonçalo fluiu no ar o “Conselho”:
“Era assim que eu lhe dizia
:- Menina você me insurta,
arrepare essa saia curta,
cuidado que o povo espia…
Pois quando ocê vai passando,
Os hôme ficam rezando
Prá que dê uma ventania…”
E eu já imaginava a jovem mulher, abusando do direito de ser bela, com os lábios encarnados e os cabelos soltos ao longo dos ombros emoldurando seu rosto, passando abusadamente pela rua a caminho da pracinha…
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E o velho Mané Gonçalo prosseguiu:
“Ah! suba mais o decote,
assim tá muito descido
e por favor também bote
uma barra nesse vestido,
menina ninguém é santo,
arrepare que eu tudo canto
tá assim de hôme inxerido”
Nada mais próximo do que meu querido Pai dizia, sobre os velhos e bons costumes, a necessária moral e o elevado grau de firmeza com que os pais cuidavam de suas filhas naquele tempo, e essas idéias só serviam para “atiçar” ainda mais o meu imaginário.
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Já me perguntava:- “Onde isso iria parar?”.
E o velho nordestino alardeou:
“Seu dotô arrepare só,
ela não tinha receio
se eu falasse era pió,
pruquê depois do conseio
pru capricho ela botava
um vestido que amostrava
a metade do joelho…”
Ah! Os detalhes provocantes dos tornozelos aos joelhos vinham à mostra, resultando em algo que atualmente nem mais existe, o rubor das faces de quem os vê e a certeza de que quanto mais escondido, mais interessante, mais provocante…
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Mas onde isto iria chegar, pensava eu…
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E o surpreendente Mané Gonçalo arrematou de primeira:
“Voicemê logo imagina
o que isto tudo veio dá.
Coitadinha da menina
eu cansei de lhe avisá…
Pois sabe o que aconteceu?
Ela casou-se cum eu
e tem dez filhos prá criá!”
Essa e outras histórias povoaram minha infância e me fizeram conhecer e respeitar a incrível capacidade do povo brasileiro de contar histórias e estórias.
Mané Gonçalo vive até hoje ao lado dela e dos filhos e exercita como ninguém, a arte de dar bons “conselhos”, como aquele que nunca foi seguido pela menina. Ainda bem, diz ele.
E deu no que deu!
***
* Uma singela homenagem ao Mané Gonçalo, codinome artístico do poeta pernambucano Pompílio Diniz.