Na edição da última terça-feira (5) do Jornal do Almoço e no NSC Notícias, veiculamos uma bela reportagem do jornalista Júlio Éttore e equipe (Dener Alano – editor e Milena Lopes – editora de imagem) com cases sugeridos por vários colegas das praças de SC, coordenados por Luciana Corrêa, mostrando profissionais da área da saúde que renunciaram suas famílias durante esse processo de isolamento, para atender os pacientes, salvar vidas e desenvolver seu trabalho/sacerdócio. Sim, mais que no sentido figurado, na prática trata-se de um sacerdócio – “Função que apresenta caráter respeitável em razão do devotamento que exige”.

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Médicos, enfermeiras e outros profissionais foram deslocados de cidades de um dia para o outro, deixando filhos, pais, maridos e levando a incerteza do retorno ou de quando isso acontecerá. Alguns depoimentos foram emocionantes.

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Mulheres que só voltaram a ter um contato com seus filhos quase um mês depois da separação. Outras optaram por se transferir da casa dos pais, evitando a relação crianças/avós pela maior probabilidade da transmissão do coronavírus dos menores para os idosos.

Mais recentemente, para muitos catarinenses bastou uma canetada do governador e os decretos trouxeram um pouco da normalidade de antes: caminhadas, cultos, negócios. Para outros, a vida como ela era ainda tá bem longe. O novo coronavírus continua os separando de filhos, esposas, maridos e grandes amores.

São casos típicos

Ela jornalista, ele médico - Gabriela e Bernardo
Ela jornalista, ele médico – Gabriela e Bernardo (Foto: NSC TV/Jornal do Almoço)

Gabriela conheceu Bernardo em Porto Alegre, há três anos. Ela jornalista, ele médico. Ele atende das 8h ao meio dia, no posto de saúde, e por ele já passavam pacientes com síndrome gripal. Como ainda não era possível testar para a Covid-19, o medo da contaminação trouxe Gabriela para a casa da mãe em Florianópolis.

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O “tchau” da despedida foi pelo telefone. Mas, Bernardo tem certeza que a decisão foi a mais correta porque não dá para brincar com o vírus. Nesse momento, é melhor a gente “contaminar” pelo excesso de zelo. Há mais de um mês, este namoro é a distância.

Helen, saudades da mãe, do esposo e dos filhos.
Helen, saudades da mãe, do esposo e dos filhos. (Foto: NSC TV/Jornal do Almoço)

O mesmo ocorre com Helen que há duas semanas não vê o marido e os dois filhos. A enfermeira atende na maternidade do hospital Dona Helena – em Joinville. Mas se os casos aumentarem na cidade, ela vai ser remanejada pra ajudar a combater a Covid-19.

Helen também quer proteger os pais e a sogra, que são idosos, por isso ela e mais duas amigas enfermeiras foram morar juntas, mudando completamente sua rotina justamente para preservar seus filhos, o marido e sua família. Seu filho Victor, de 15 anos, tem asma – o que o coloca no grupo de risco.

Ôh pai, eu tô com uma saudade da minha mãe!
“Ôh pai, eu tô com uma saudade da minha mãe!” (Foto: NSC TV/Jornal do Almoço)

Antony, de 3 anos, ainda não entende muito bem o que está acontecendo por isso chama a mãe com quem estava acostumada a dormir antes da pandemia.

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No último domingo, descendo as escadas do prédio, vem o desabafo: “Ôh pai, eu tô com uma saudade da minha mãe!"

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Janaina e o filho Benício, hoje distantes (Foto: Arquivo Pessoal)

Coordenadora de enfermagem do hospital Santa Isabel de Blumenau, na UTI geral, Janaina está enfrentando o maior desafio da carreira e a distância da família é só um dos sacrifícios.

Recentemente num único dia de folga, ela cruzou quase duzentos quilômetros até Ituporanga – na casa da mãe. “A gente tem buscado a proteção nossa e a proteção pros nossos pacientes. Sem heroísmo, mas cuidando de nós pra cuidar do próximo”. O filho Benício tem 1 ano e nove meses. A última visita foi na páscoa. De lá pra cá, só se mata a saudade pelo telefone.

Por todo o estado, centenas de médicos e enfermeiras têm histórias parecidas. Muitos estão hospedados nos dezesseis hotéis geridos pela defesa civil. Exclusivos para que eles protejam suas famílias. A distância machuca, mas não é o único drama.

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Para o jovem médico André, que trabalha em turnos distintos numa UPA e num Hospital em Florianópolis, por mais preparados que foram na faculdade, nunca lhe passou pela cabeça que um dia enfrentaria pessoalmente o mesmo risco que seus pacientes nas ruas. Na UPA ele é responsável por pacientes com problemas respiratórios, portanto, qualquer um deles pode estar infectado e o risco de ele contrair a COVID 19 é muito grande. Mesmo assim, sabe que essa é sua missão.

André - diariamente, frente a frente com o vírus.
André – diariamente, frente a frente com o vírus. (Foto: NSC TV/Jornal do Almoço)

A preocupação é imensa. Em todo o estado já são muitos os profissionais de saúde contaminados. E o mais impressionante segundo o repórter Júlio Éttore praticamente todos eles estão conscientes do sacrifício. É como se sempre soubessem que seria preciso.

Um aperto de mão, um abraço, um beijo, um "eu te amo" faz muita falta…

E neste momento a gente vê como faz falta o contato físico. Nestes dias de separação, os beijos e abraços têm sido virtuais. As declarações de amor também. Quem conhece o verdadeiro perigo deste vírus tem os pés no chão.

Mas, para eles, mais importante que esperar é saber que aquelas pessoas que tanto importam vão estar ali. Quando tudo acabar.

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Mas tudo isso vai passar, e então...
Mas tudo isso vai passar, e então… (Foto: NSC TV/Jornal do Almoço)

Para esses profissionais, só mesmo buscando em Clarice Lispector a ideia que justifica tanto amor pela profissão (amor x trabalho):

Não me lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não começamos pelo começo. Já era amor antes de ser…

Confesso que me emocionei muito ao final da matéria e só consegui buscar numa frase atribuída ao escritor Camillo Castelo Branco, um apoio moral que pudesse valer como estímulo aos heróis dessa história – já que o emocional também estava bastante abalado:

“A saudade pelos vivos é dor suave…”