Na Vila, na roça, na Sapataria do Nico e até no Engenho do Coronel Viriato (onde o mel da cana produzia o melhor açúcar da região e de sobra a melhor rapadura que é doce, mas não é mole), enfim, em todos os lugares, cantos e fundões só se falava na demanda entre o italiano Giuzeppe e o cafuzo Chiquinho Feijão.

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O italiano era imigrante, como os pais que há muitos anos aqui chegaram movidos pela esperança de produzir riqueza com as próprias mãos, lavrando a terra e colhendo dela o sustento e o futuro.

O matuto Chiquinho, por mistura de raças era cafuzo ou caburé e nascera por ali mesmo. Na mãe corria o sangue dos bugres que habitavam quase todo esse continente quando descoberto e no pai o sangue dos negros, que trazidos da África deram suas vidas em prol da riqueza de muitos coronéis de quase todos os lugares, cantos e fundões deste país.

Chiquinho era conhecido por Feijão, porque foi essa lavoura e o suor de muitos anos que o tornaram um “quase” próspero fazendeiro.

Mas, qual era o motivo da demanda judicial entre o cafuzo e o italiano?

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Um pedaço de terra. Uma simples questão de limite entre as duas propriedades.

Um espaço em que a cerca que marcava a divisa entre as fazendas mudava de lugar a cada noite. Ora pra lá, ora pra cá. E a cada mudança aumentava ou diminuía esta ou aquela propriedade e aos poucos soterrava a boa relação que o italiano e o matuto mantinham há um bom par de anos.

***

Altas apostas eram seladas no Bar e Armazém Novo Horizonte, o ponto de encontro de quase todos que viviam no povoado ou só apareciam na época da colheita para o trabalho temporão. E a decisão do caso, estava nas mãos do Meritíssimo Juiz Doutor Euzébio Gonzaga da Fonseca e Silva. Homem sério, íntegro e sobretudo justo, como requer a profissão. Embora vivesse na cidade, de vez em quando aparecia pelo vilarejo. “Para sentir a comunidade”, dizia ele. Só assim, lhe era possível julgar com a cabeça e com o coração, pois esse negócio de “julgar estritamente pelos autos” não lhe agradava muito não…

Conversava com um por aqui, com outro por ali e deixava sempre muito clara a sua retidão moral e postura ética de irrepreensível seriedade. Gabava-se de nunca ter sido cooptado por ninguém e que ontem, hoje e amanhã somente devia satisfação àquela senhora com os olhos vendados, sustentando nas mãos a balança e a espada.

E o dia da sentença se aproximava.

Para o advogado de Chiquinho Feijão, as chances de Giuzeppe Delatorre cresceram muito, quando o cartorário Felício Souza se apresentou voluntariamente para testemunhar em favor do italiano, mostrando documentos cuja existência, nem mesmo o demandante sabia existir. Embora o papel aceite tudo, Chiquinho só havia apresentado testemunhas a seu favor, mas nenhum documento.

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Esse novo fato mexeu com todos.

O Italiano deve ganhar a demanda, sem nenhuma dúvida, garantiam alguns.

As chances do cafuzo Chiquinho diminuíram muito, concordavam outros.

***

Foi quando Chiquinho chamou o seu advogado e lhe disse:

– Doutor Jacinto, mandei pelo Correio meu melhor leitão de presente para o Doutor Juiz e espero que ele goste.

– Você enlouqueceu homem. Agora sim, a demanda está perdida. O juiz vai entender como uma tentativa de suborno. Fim de caso. Lamento por tua derrota, mas depois dessa atitude, nada mais posso fazer.

– Fique calmo, Doutor Jacinto, a sentença só deve sair na segunda feira. Até lá relaxe. Tome mais uma cachacinha que estou lhe servindo. Essa é da boa.

E tanto quanto o advogado em relação à calma do seu cliente, pouca gente conseguiu compreender quando a sentença do Meritíssimo Juiz apontou Chiquinho Feijão como vencedor da demanda.

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E enquanto o choro, que é o consolo dos inconsoláveis era só o que se ouvia na propriedade do italiano Giuzeppe Delatorre, no sítio do cafuzo Chiquinho Feijão, uma explicação rápida e sussurrada saia da boca do matuto, rumo aos ouvidos do seu surpreso Advogado:

– Doutor Jacinto, eu não nasci ontem. Mandei sim, o leitão pelo Correio de presente para o Juiz, mas como remetente, coloquei o nome do italiano.