E quando eu voltava do mercado passei por esse cidadão feliz, que sorria para as árvores sem imaginar a época louca, turbulenta, caótica, confusa que estamos vivendo, sem entender a gravidade dos fatos, um idiota achando o fim de tarde lindo, um fim de tarde absolutamente comum. Aquele cidadão, não sei o motivo, parecia apreciar a vida, o cheiro, os barulhos do entardecer, sem nem parecer humano, sem nem posicionar um celular perto do rosto, sem nem estar vendo uma foto de alguém feliz no Instagram. Aquele cidadão ria, mas não tinha vídeo, gif ou meme na frente dele, e me perguntei: como alguém pode estar tão feliz apenas com a vida?

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Neste começo de ano milhões de pessoas passarão milhões de horas assistindo milhões de séries, pedindo milhões de refeições por aplicativos, comprando milhões de bugigangas, tentando fazer passar o tempo, acelerar o relógio, esperando uma novidade, uma manchete, uma vacina para a chatice da vida sem todas as liberdades. Pois, talvez seja, achar felicidade na falta de liberdade a forma  mais genuína de felicidade.

> Dia de praia! Vamos?

Todos são felizes de férias, na praia, em Paris, em um hotel com café da manhã incluso. Todos são felizes em um passeio de barco, em uma cachoeira, em uma selfie no pôr do sol, em um Stories de Instagram. Todos são felizes com o bolso cheio, com amigos ao redor, com champanhe em Nova Iorque, com coberta e cerveja ao redor da fogueira. Todos são felizes com a felicidade idealizada, arquetípicas, estruturada dos filmes, das séries, das redes.

(…) como alguém pode estar tão feliz apenas com a vida?

Mas alguns poucos são felizes com o que têm.

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> “O trabalho dignifica o homem!”

Com suas cafeteiras amassadas, seus sofás rasgados no braço, duas estantes de livros. Alguns poucos são felizes com os raios parcos do sol que batem de tardezinha. Alguns poucos chegam em casa cansados, começam o ano exaustos, acordam de manhã combalidos, e sorriem para o despertador. Alguns poucos têm amigos honestos, esposas felizes, crianças fofas pedindo mais mingau. Alguns poucos têm um prazer de viver que acompanha os dias, as horas, os anos, os séculos; alguns poucos lambem cada minuto da vida como se fosse um sorvete.

São poucos, os genuinamente felizes. Mas, por Deus, como são interessantes.

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