Tirando todos nós, os que estão apavorados, uns mais outros menos, uns com a saúde outros com a economia e muitos com a falta completa de perspectiva profissional, algumas pessoas estão conseguindo tirar algo de bom da crise. “É o tempo que pedi a Deus”, me disse uma amiga advogada. Ela trabalha remotamente, mas a carga horária está reduzida e ela consegue cuidar da filha. Fazem almoço, veem filmes juntas, leem livros.
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Para uma outra amiga, a quarentena ajudou a reconectar o casamento. Os dois em casa estão se acertando: um cozinha, outro lava a louça. O marido está fazendo yoga (quem diria!) e, parece que é verdade, esses dias ouviu tocar o sinal da máquina de lavar e – pasmem! – estendeu a roupa no varal. Uma pandemia que salva casamentos.
Há os que não perceberam diferença alguma. Amigo meu, programador, trabalha de casa há anos – só sai para fazer compras no supermercado do bairro. A rotina dele mudou pouco, continua com pouco contato com outros humanos. Esta quarentena é o sonho dos introspectivos, dos adolescentes que querem apenas ficar no quarto jogando videogame, das pessoas que odeiam encontros com a família e grandes aglomerações. É como se todos nós agora sentíssemos um pouco como é ser curitibano.
Há aqueles que estão adorando a quarentena profissionalmente, para os quais estar em casa é mais aconchegante e produtivo, mais confortável e eficiente.
São aqueles que economizam o tempo que gastariam no trânsito ou com conversa boba no corredor do escritório para escrever, resolver, delegar, ler e dormir, em um dia fazem tudo o que não poderia ser feito em um ano.
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São aqueles que odiavam ser interrompidos pelos colegas com dúvidas bestas, detestavam ter que sair para almoçar com os companheiros de crachá, nunca se adequaram à cobrança por ficar no escritório até tarde. Para estes, a quarentena é uma cura, uma libertação.
Entre um chá e um relatório, estão plenamente realizados com a nova condição. Para estes, a única preocupação verdadeira é que essa quarentena um dia poderá acabar. E há aqueles que estão exaustos. Aqueles que não conseguem responder sequer um e-mail, aqueles que não têm tempo nem para uma reunião on-line.
Aqueles que acordam cedo e dormem tarde, e mesmo assim não conseguem ser produtivos. Aqueles que estão sempre com zumbindos no ouvido, olheiras, cabelos brancos. Aqueles que não conseguem conversar com o cônjuge, que não veem um filme há semanas e não conseguem ler um livro. Aqueles que imploram para que a quarentena acabe logo e as escolas reabram. A estas pobres almas damos o nome de pais de crianças pequenas.