Semana passada fiz aqui nesse espaço uma carta à minha mãe. Muitos leitores me escreveram, lembrando de suas mães. Muitos se identificam com a minha história, de ter tido uma mãe solo. Muitos percebem nos seus próprios filhos a chance de serem melhores. Em tempos de quarentena, acho que vale refletirmos sobre o papel do pai. Eu, certamente, só fui enxergar o que é ser pai de verdade quando passei a aprender com outra mãe: minha esposa.

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Quando minha primeira filha nasceu, eu acordava cedo todos os dias pra ir trabalhar e só voltava à noite. A mãe passava o dia com ela, com as fraldas, o choro, o bebê conforto, o refluxo, as cólicas. Quando eu chegava, no fim do dia, pegava só a parte mais gostosa. Fazíamos uma pequena farra juntos, colo, bebê pra cima, a delícia de ouvir gargalhada de criança. Depois, eu dava banho, aquele momento calmo e gostoso. Então, a mamadeira de dormir, e a Anita dormia nos meus braços, me olhando serena e agradecida. Papai era só alegria.

Mamãe era stress. Todos os dias acordando com choro e sem ninguém para ajudar. Todo dia tinha louça na pia, chão sujo, roupa pra lavar, tudo tinha cheiro de refluxo de leite. Todo dia tinha a sensação de todo dia nunca terminar, de ninguém agradecer o sacrifício, de a carreira profissional estar em pausa e não ter perspectiva de voltar. E pior: ninguém perceber esse trabalho todo. E pior: a criança não dizer obrigado, só demandar, pedir mais e reclamar. E pior: o pai chega no fim do dia e acha que tudo é moleza, só faz festa, dá banho, põe pra dormir. E chamam de “super-pai”.

Mamãe era stress. Todos os dias acordando com choro e sem ninguém para ajudar.

Rapaz, demorou pra eu perceber. Eu achava que as mulheres deveriam levar a maternidade com mais leveza. Mas é difícil ter leveza quando o fardo é pesado e você tem que carregar sozinha. Quando seus dias, seu sono, seu corpo pede trégua e todo mundo acha que trégua é covardia. “Mãe é mãe”, eles dizem. “Mãe consegue tudo”, eles dizem. “Mãe tira força não sei de onde”, eles dizem. E se não tirar? Se mãe pedir folga, mãe é fraca.

Rapaz, demorou pra eu perceber. Eu achava que as mulheres deveriam levar a maternidade com mais leveza.

Demorou pra eu perceber, mas cuidar de crianças, especialmente as pequenas (e depois, as adolescentes), dá um trabalho danado, um trabalho cansativo e ingrato. É uma cadeia que quem só chega de noite pra dormir, nem percebe que existe. Uma bola de ferro fofinha, mas pesada, que só fica mais leve quando alguém leva junto. Quando alguém diz: “Desculpa não perceber o peso”. E quando alguém diz: “Obrigado”.

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