Disse o filho da Maria, minha mãe não aguenta mais. Depois de um ano sozinha, não sei do que seria capaz. Está muito deprimida, tem muita necessidade. Precisa rever as amigas. Quem sabe, neste domingo? Um café com um bolo bonito, um encontro de verdade.
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Ficamos assim combinados: vou conversar com as outras. Do nosso grupo de cartas. Sobraram algumas, bem poucas. Vou tentar convencer as meninas, e se elas disserem que não, digo que é pela Dona Maria, coisa simples, durante o dia, nada de aglomeração. Se a Marta e a Antônia aceitarem, marcamos a reunião.
Maria serviu café, água e bolo de fubá. Dona Marta contou do neto, “Coisa mais fofa o piá!”. Veio então o fim da tarde, uma brisa, um alento. E viram o pôr do sol da janela do apartamento. Falaram sobre a família, sobre os genros, sobre as noras. Quando deu quinze pras sete se arrumaram pra ir embora.
“Maria, voltaremos!”, disse Antônia e disse Marta. “Logo marcamos outra, um jantar com vinho e com sopa! Vamos sair todas bem loucas! Nem precisa guardar as cartas!”. Despediram-se combinando reunião dali a um mês. Deram seu último abraço, tchau pela última vez.
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Foi em dez ou quinze dias, Antônia sentiu-se mal. Avisou, então, as amigas, que ficaram todas aflitas: “Faz o teste, menina. E me avisa! Se for mesmo, é hospital!”. Cem reais o tal do teste, o maldito cotonete, eis que era mesmo a peste, saiu resultado no dia. Dona Morte, quem diria, tinha canastra real.
Mais uns seis ou sete dias, a Maria não aguentou. Dona Zeni ficou mal, Antônia se recuperou. Foi o filho da Maria, ele não lembra bem o dia. Fez o que sempre fazia, vacilou, pegou, passou. E naquele mesmo dia, uns foram jogar futebol. Uns usaram cloroquina, curtindo um domingo de sol. O Caio tomou cerveja, João foi pra boemia. Domingo teve protesto: “REABRA A ACADEMIA!”. Enquanto a UTI lota, a multidão patriota, grita que é idiota quem se cuida na pandemia.
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Aqui dentro eu sinto tristeza, olhando pra essa nação. Com o tempo eu aprendi que é cada um por si e se até hoje eu não morri foi porque me protegi mascarado e com sabão. Não peguei e nem passei, quem eu pude, eu ajudei. Pois desde criança eu sei: gentileza é a única lei pra viver em comunhão.