Começou ainda no começo do ano, quando fomos em uma livraria pela última vez. As meninas, como sempre, escolheram dois livros cada. Anita estava numa fase Jenny Han; Aurora pegou dois da Dora Fantasmagórica; a Ana separou O Som e a Fúria, que nunca tínhamos lido; eu peguei duas reedições do Vonnegut, Matadouro 5 e Cama de Gato. Pedimos um café e começamos a ler nossos livros – e, ali mesmo, depois de três ou quatro frases, comecei a chorar.

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A Ana me perguntou: “que foi?”, e eu respondi: “não sei”. Mas eu sabia. Era que o mundo já andava tão bruto, tão seco, que ao ler algo bonito eu não aguentei. Chorei de ler o que alguém com alma tinha pra dizer. Uma esperança de que talvez o mundo não seja tão duro assim. E, depois desse episódio, vieram outros tantos. Lendo Não Era Você que Eu Esperava, chorei. Assistindo A Caminho da Lua com minha filha pequena, chorei. Vendo o novo show do David Byrne, dirigido pelo Spike Lee, chorei. Vendo Hamilton, o espetáculo da Broadway, agora disponível no streaming, chorei. Assistindo Viver Duas Vezes com a minha mãe. Ouvindo Beatles, de manhã, na cozinha. Sozinho, na sala, quando terminei de ver o documentário As Mortes de Dick Johnson.

Cada pessoa sente as coisas de um jeito, então imagino que nem todo mundo deva chorar com essas coisas. Minha própria esposa, quando me vê chorando com um livro, ou filme, ou música, me abraça, sem nenhuma lágrima nos olhos. “Meu chorão”, ela diz. E eu choro sem medo. É uma forma de me conectar com os sentimentos mais bonitos. Piangere, não sei se vocês sabem, é chorar em italiano.

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Tolstoi dizia que todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira, e em 2020 cada pessoa é infeliz à sua maneira. Tem sido o mais duro dos anos, talvez não para cada um, mas para geral. A Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, que analisa todos os tweets em língua inglesa para perceber como está o humor entre as pessoas do mundo, chegou a esta conclusão. O ano de 2020 é o mais negativo, desde 2008, quando a pesquisa começou. Você olha o gráfico do estudo e percebe o declínio da nossa felicidade. A pandemia, a quarentena, a economia, os protestos, o gráfico vai mostrando as pessoas mais e mais negativas. Os picos de felicidade são os feriados. O momento mais feliz do ano, o dia das mães.

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Quando estou com minhas filhas me sinto no paraíso. Quando estamos lendo, juntos, deitados na cama, sou o homem mais feliz do planeta. Quando abraço minha mãe. Quando vou pra praia com minha esposa e sentamos da areia da praia. Ouço as ondas e sinto o sol, tenho a impressão de que não existem problemas no mundo. Há apenas livros, música, a beleza da arte, e pessoas com alma e coração, pra gente conhecer.

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