Descobri esses dias que tenho o diagnóstico, apresentado e comprovado por especialistas, de neurose obsessiva histérica. Os especialistas, são meus amigos dos grupos de Whatsapp. A neurose obsessiva é essa mania que eu tenho de evitar sair de casa, usar máscara sempre que saio, passar álcool gel o tempo todo nas mãos, manter uma distância de um metro e meio das outras pessoas. Os especialistas não têm dúvidas: sou um neurótico.

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Olho a curva de contaminação do coronavírus ao redor do mundo e pergunto aos amigos: “vocês estão vendo isso?”. É como se eu acreditasse em fantasmas. “Pára com isso, Piangers”, eles escrevem. “Você novamente com esse papo!”. Falo que, na Itália, Suécia, Estados Unidos e outros países, a coisa está pior do que antes. Tudo leva a crer que teremos um aumento dos casos nos próximos meses. “Vocês vão continuar fingindo que nada está acontecendo?”, pergunto. Meus amigos continuam tranquilos, dizem que o pior já passou. São os mesmo amigos que defendiam a imunidade de rebanho (aquela teoria sem nenhuma comprovação científica) e que diziam que a doença não se espalharia no calor do Brasil (166 mil famílias descobriram da pior maneira que esta teoria não era verdadeira).

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Eu olho os números e encaminho para os meus amigos, mas eles me dizem que não posso ser assim tão histérico. Eles continuam saindo para beber, viajaram para Gramado no inverno, alguns curtiram a praia no Nordeste, e uma parte até mesmo pegou a doença. “Passei uma semana mal mas logo me recuperei”, um escreveu no grupo do Whatsapp. “Pra mim foi só uma gripe. Só perdi o cheiro e o olfato”, disse outro. Uma pergunta que ninguém nunca me responde: quantas pessoas será que você infectou? Será que, sem querer, alguém morreu por sua causa? Por causa da sua viagem de férias? Por causa do seu chope?

Alguns conhecidos (estes não chamo de amigos) nem usam máscara, levam no bolso apenas pro caso de algum estabelecimento exigir. Chamam de focinheira. Quem usa máscara é “noiado”. Uma forma de ver o mundo tão ensimesmada que não passa pela cabeça deles que alguém possa se preocupar com o próximo. Que uma máscara é um sinal de respeito e uma forma de não passar a doença adiante, para alguém que pode morrer.

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O único motivo de eu estar em casa há oito meses é que não quero ajudar a espalhar essa maldita doença. Os números mostram que 80% dos brasileiros não tem condição de trabalhar de casa. Eu tenho. Portanto, vou contribuir para que o mínimo de gente morra. Não é sobre a minha saúde, é sobre a saúde dos outros. É sobre um senso de sociedade, de civilidade, de amor pelo próximo demonstrado diariamente pela privação de alguns prazeres. Quantos dos nossos antepassados passaram por provações muito piores e responderam de forma muito mais cívica, humana e corajosa?

Quando escrevo isso no grupo recebo frases prontas. “Todo mundo vai morrer”, um escreveu. É verdade. Todo mundo morre. Mas não sei como algumas pessoas dormem.

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