Meu amigo Ricardo Seola manda avisar, da Itália, que a quarentena continua até abril – talvez mais. Ele e o gato passam bem, pedindo comida de restaurantes próximos. Estão proibidos de sair de casa – para poder sair, precisaria imprimir um argumento em papel, explicando o motivo de estar na rua. Sem este papel pode até ser preso por homicídio (está colocando a vida dos outros em risco). Como não tem impressora em casa, não sai. Lamenta os bons senhores italianos que não verá nas ruas de Milão quando a crise passar.

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Inscreveu-se para ajudar a Cruz Vermelha, mas os voluntários foram muito mais numerosos do que a necessidade. O governo também estava precisando de 300 médicos voluntários para uma força tarefa, 8 mil se inscreveram para ajudar. Os italianos cantam óperas das sacadas. Fico imaginando se, aqui no Brasil, cantaremos pagodes.

Minha amiga Daniele Abreu está em Lisboa com os três filhos, presa em casa e sem o marido por perto, que está na Noruega trabalhando. Quarentena com três filhos e longe da família. “Se algo acontecer comigo quem vai ficar com meus filhos?”, ela me pergunta, por telefone. Torço para que nada de mal lhe aconteça. Está afastada do trabalho e acredita que, por lá, a quarentena deve ir longe. Comprou comida para meses e passa os dias entre aulas de educação física, desenho, matemática, música para as crianças. Comparando a minha quarentena com a dela, estou de férias.

Felipe está em Seattle, uma das primeiras cidades americanas a sinalizar casos do coronavírus. Eu e ele fizemos faculdade juntos. Disse-me que, no começo da epidemia, os americanos tratavam tudo como brincadeira. Jovens saiam para beber, idosos não respeitavam a indicação de ficar em casa. Então, pessoas mais jovens começaram a pegar a doença e algumas delas não resistiram. As empresas decidiram fechar os escritórios. Milhares de funcionários trabalham de casa. Felipe acabou de ser pai, alterna o home office com mamadeiras e fraldas. Não espera sair da quarentena tão cedo. A epidemia está apenas começando por lá.

Todos estão preocupados. Em primeiro lugar, com a possibilidade de perder amigos ou familiares. Em segundo lugar, com a recessão pós-pandemia. Sociedades do mundo todo se deparam com uma mudança obrigatória de funcionamento. Empresas aderem ao trabalho remoto. Escolas correm para se adaptar ao ensino a distância. Famílias celebram o amor à distância, por ligações de vídeo.

Imigrantes, agora, são bem-vindos como voluntários em países desenvolvidos. Níveis de poluição do mundo todo despencam junto com nosso modelo econômico. Peixes voltam aos canais de Veneza, coelhos povoam as ruas vazias de Zurique. O planeta nos avisa que tudo mudou. Que ninguém sabe o que será. E, pela primeira vez, estamos todos no mesmo barco.

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