Então, alguma parte da gente se cansa. Se cansa da nossa vidinha, na nossa rotina, da nossa fumaça. Das nossas manias, do nosso stress, do nosso vizinho, das nossas notícias. Uma parte da gente se cansa da nossa comida, do nosso chefe, se cansa da nossa política, da nossa prestação. Da nossa falta de sono, da nossa falta de mar, da nossa falta de abraço. Uma parte da gente se revolta, chuta o balde, decide crescer errado. E ainda grita pro sistema imunológico: “Tá tudo bem, eu tô legal, sai pra lá, eu sei das coisas, não venha me incomodar!”. O câncer é uma parte da gente que cansou.
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E a gente pensa que devia ter viajado quando podia, ido no médico quando podia, usado protetor, largado o cigarro, comido melhor, ter feito plano de saúde quando podia. O câncer não nos diz mais: “Você vai morrer”. A ciência evoluiu, as pessoas se curam hoje em dia. O câncer nos diz: “você vai sofrer”.
Você vai se sentir incomodando os outros, precisando de ajuda, vai ter que ir no hospital, trocentos exames, vai no médico, conversa com enfermeira, pergunta se é assim mesmo, é normal sentir isso, eu sou normal? Você descobre que todo mundo tem a cura do câncer. É chá, dieta indiana, reiki, meditação, um grupo de oração forte que se reúne toda quarta-feira. Você começa a descobrir que todo mundo conhece alguém que teve câncer. Uma mãe, um irmão, um amigo, a própria pessoa com quem você conversa. Tive um, tive dois, tive três. Todo mundo já venceu um câncer. Alguns até não acham grande coisa.
A ciência evoluiu, as pessoas se curam hoje em dia. O câncer nos diz: “você vai sofrer”.
Mas cada câncer é uma viagem solitária. É uma luta sua com você mesmo, com a sua parte que cansou. Uma conversa com a nossa própria estrutura genética. Porque você veio? Do que você cansou? O que você quer que mude? A quimioterapia vai matando o câncer, gota a gota. O tratamento deu certo, ou talvez foi o reiki, ou talvez o grupo de oração. O câncer está indo embora. Porque você veio? Pra me avisar que vou morrer? Pra mudar os meus hábitos? Pra unir a família? Pra me fazer perdoar? Pra me tornar mais agradecido?
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A parte que estava cansada da vida vai indo embora devagar. Desapareceu. Voltou. Espalhou. Sumiu. O câncer brinca de esconde-esconde. De seis em seis meses vamos procurá-lo. Até que acaba a brincadeira. Agora, é você dando conselho para os outros, que acabaram de descobrir seus tumores. Nem é tudo isso. Eu já voltei pra minha vida normal. Até voltei a fumar. Mais uma noite em claro trabalhando. Essa política não tem jeito mesmo. Hoje não posso, minha filha. Garçom, traz a saideira. Esse trânsito ainda me mata.
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