Minha esposa diz que na Austrália as pessoas estão vivendo vida normal. Não acredito. “Sem máscara?”. “Sem máscara”, ela responde. Continuo não acreditando. Mando mensagem para uma amiga que mora lá. “É verdade esse bilhete?”, pergunto. “Sim”, ela responde. Me conta: na Austrália passaram um mês de país fechado, todo mundo em casa; os casos diminuíram, vida normal. Aeroportos controlados, todo mundo é testado e tem que fazer quarentena depois que chega no país. Quando os casos aumentam, mais um mês com todo mundo fechado. Multa pesada pra quem fura o lockdown. Então, os casos caem novamente. Desde 2020 não morre ninguém na Austrália por Covid. ”Vida normal”, minha amiga me disse.
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E essas duas palavras começaram a ecoar na minha cabeça. Vida normal, vida normal, VIDA NORMAL. VIDA. NORMAL. Quanto mais eu repito essas duas palavras mais elas parecem distantes. Dar uma palestra para duas mil pessoas e depois abraçar uma por uma. Assistir uma peça de teatro. Entrar em um escritório LOTADO para uma reunião. Assistir um show em um estádio de futebol. Fazer um churrasco com a casa cheia de amigos. Crianças que não se conhecem brincando na pracinha. Cerveja em mesa de plástico e cadeira dobrável de ferro da Antarctica. Ficar até as sete da noite esperando minha filha parar de brincar com as amigas na escola. “Vamos embora, Aurora”. “Calma, pai. Última rodada de pega-pega”. Picolé depois da escola. Vida normal. Vida normal. Em alguns lugares do mundo estão vivendo uma vida normal.
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O Brasil era um dos países mais simpáticos do mundo, um dos mais queridos pelos estrangeiros. Perdemos isso nos últimos anos. Perdemos uma imagem de país alegre. Perdemos a relevância e o respeito na política externa. Perdemos a imagem de país eficiente em vacinação. Perdemos posições entre as maiores economias do mundo, saímos das dez maiores. Perdemos a confiança do mundo no combate à devastação da Floresta Amazônica. Perdemos a confiança do mundo no combate à corrupção. Inflação alta, a moeda nunca foi tão fraca, os investidores estrangeiros nunca estiveram tão desconfiados. O Brasil não merece o que está passando.
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Enquanto a Espanha faz shows de música para 5 mil pessoas e Nova Iorque vacina pessoas com mais de 30 anos; enquanto Londres tem dias com NENHUMA morte por COVID, enquanto o Chile já vacinou 30% da população, estamos aqui, discutindo se um assessor fez um sinal fascista ou se vai ou não ter golpe militar. Um país infantilizado, que faz carreata de carro importado pra voltar as aulas na escola particular. Um país que faz buzinaço na frente do hospital. Um país sem vacina pra todos, sem máscaras eficientes, sem testagem em massa, sem campanha de conscientização, que chama isso, ISSO, de vida normal. Com festa clandestina, campanha a favor de remédios ineficientes, briga entre familiares por causa de boato recebido no Whatsapp, fila pra UTI e gente dizendo que errado é quem reclama. Cala a boca e aguenta, que isso aqui, agora, é Brasil. Vida normal.
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