Logo eu que falava que os celulares eram péssimos para o desenvolvimento infantil. Logo eu que impunha horários bastante restritos para o uso da internet, para que minhas filhas não ficassem horas assistindo seus seriados favoritos (a mais nova, Três Espiãs, a mais velha, Gilmore Girls). Logo eu que nunca comprei um videogame pois tinha certeza que elas ficariam eternamente jogando e não tomariam banho, nem dormiriam, nem almoçariam ou jantariam, nem fariam as tarefas escolares. Logo eu, leitor de pesquisas científicas, que sei que a Sociedade Brasileira de Pediatria não recomenda o uso de telas para crianças com menos de dois anos e que recomenda sempre um adulto por perto no caso de crianças entre dois e dez anos.
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Logo eu, aqui estou, conseguindo escrever esta coluna pura e simplesmente porque minhas filhas estão, cada uma em um celular diferente. A mais nova joga Minecraft (“Perda de tempo!”, eu sempre disse) e a mais velha não desgruda do The Sims. Aliás, minha filha adolescente não desgruda do The Sims e, enquanto joga, ainda assiste (escuta?) seus youtubers favoritos, que são todas meninas de cabelos pintados com cores fosforescentes. Logo eu, que sempre disse que minhas filhas fariam seus próprios brinquedos de madeira e desenhariam em momentos de relaxamento, nesta quarentena estou permitindo que as duas fiquem plugadas para que eu e minha esposa possamos nos manter sãos — e, do jeito que dá, produtivos.
Logo eu, aqui estou, conseguindo escrever esta coluna pura e simplesmente porque minhas filhas estão, cada uma em um celular diferente.
Dividimos o uso de telas em três Cs: consumo, criação e conexão. Consumo é isso que elas estão fazendo agora — séries, jogos, séries e jogos ao mesmo tempo, etc… Criação é quando usam a tela para aprender algo, fazer uma dobradura, aprender um idioma no duolingo, descobrir como se resolve o cubo mágico. E conexão é quando usamos as telas para falar com as avós, os amigos, fazemos festas virtuais ou almoço de família à distância. Gosto e incentivo os dois últimos Cs. Elas adoram o primeiro.
Pois bem, eu sempre me senti um guerreiro incompreendido lutando contra as telas e buscando uma vida em família mais analógica. Mas veio a reclusão e aqui estamos nós, cada um na sua tela. Na batalha entre as telas e os especialistas, as telas venceram. Pelo menos, por enquanto.
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