Eu sei que pode ser que a vacina não funcione em todo mundo e algumas pessoas vão decidir não tomar por causa de, bem, loucura da cabeça, eu sei que tem reações adversas, falta seringa, falta os políticos pararem de desentendimentos bestas (depois dizem que as mulheres que são difíceis de trabalhar, sei) e liberarem a vacinação pra todo mundo que quiser, pelo amor de deus, até ontem tavam dando vermífugo pra uma ema dizendo que era remédio milagroso, quero a chinesa, a russa, a brasileira, a de oxford e aproveita e me dá uma aspirina que a minha cabeça tá doendo.

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Eu sei que pode ser que apareça outro vírus, outra bactéria mortal, outro fungo, sim, fungo! acredite se quiser agora também é um problema, não só pra nossa unha e pra frieira entre os dedos, que delícia é coçar uma frieira com a meia, faz tempo que não tenho uma.

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Eu sei que podem vir mais catástrofes e guerras e crises mundiais, e a bolsa pode despencar e o auxílio emergencial acabar, e a segunda, a terceira e a quarta onda e o desemprego bater recordes, e a economia demorar dez anos pra se recuperar, e privatizarem tudo e ninguém mais tem aposentadoria ou direitos trabalhistas, e queimarem a amazônia e o pantanal pra construírem estacionamentos (a economia! a economia!) e eu sei que muita gente sofre sem emprego e sem renda, e sem família e afeto, e sei que além de tudo isso alguns ainda apanham e morrem por pura bobice, preconceito, malvadeza, e as vezes são crianças que não fizeram nada, nada, nada, nada, nada pra merecer um tiro, nenhuma criança merece. E eu sei que muita gente tem que trabalhar todo dia, muita gente pegou a doença por necessidade financeira, tem gente na fila de hospital e tem médico sem dormir há três noites.

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> O que você fez com a sua vida?

Eu sei que tem gente que perdeu a mãe, que dor danada essa, e gente que perdeu o pai, avós, amigos, e não teve nem enterro decente pros amigos se despedirem, que doença doída é essa, que fotos tristes que eu vi de gente morta, meu deus, acho que esse foi o ano mais triste que a gente viveu. Eu sei que estão dizendo que a vida só vai voltar ao normal em 2025 e que talvez ano que vem seja tudo igual e as escolas nunca voltem como era antes, eu sei que talvez demore pra cantar alto uma música rodeado de amigos, talvez não dê nunca mais pra gente apertar a mão e abraçar qualquer pessoa que a gente conhece e acha legal e deixa eu te pagar uma cerveja.

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Eu sei de tudo isso e talvez não tenha nada de bom nisso tudo que a gente tá vivendo, ou talvez tenha uma ou duas coisas, talvez esse tempo que eu passei com as minhas filhas, o dia que a noite que dormimos todos abraçados, talvez as vezes que colocamos música alta na cozinha e dançamos e rimos, e nesses momentos não tinha vírus e morte, não tinha escola fechada nem hospital lotado, não tinha desemprego nem inflação, tinha só a gente, eu feliz porque no meio do caos eu tenho algo, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado por virem, ficarem, crescerem, por rirem mesmo quando a gente só tem motivo pra chorar.

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Tem vezes que eu queria ter uma câmera nos filmando sempre pra guardar essas bobagens, essas gargalhadas, essas brincadeiras, mas não tem câmera e dane-se, vai ficar marcado dentro de mim, e eu espero que em vocês também, o pior ano da história e, ainda assim, ainda assim com tudo isso que eu sei, eu sei, eu sei, ainda assim era a gente junto, e isso dava um alívio, e quem sabe até uma esperançazinha que, de repente quem sabe, ano que vem seja bom.

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