Seria de se supor que aos 42 anos quase completos eu não cometeria mais nenhuma grosseria digna de arrependimento mas, claro que não, aconteceu fim de semana passado. Lembrei do ocorrido agora a pouco, dirigindo na estrada, ouvindo aquela música dos Stones, Fool to Cry. No sábado almoçamos juntos, aniversário da minha filha de 17 anos, ela mesma fez a proposta de passarmos essa data especial ao lado da minha mãe, que está em tratamento oncológico. Descobrimos faz um tempo que o câncer está se espalhando. “Vamos aproveitar a vovó o máximo que conseguirmos, pai”, ela me disse.
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Pois bem, lá fomos nós pra Floripa. Minha mãe sempre diz que não precisamos ir. “Não se incomodem comigo”, ela diz. “Não preciso de ajuda”, ela diz. “Não venham que a previsão do tempo é ruim”, ela diz. Eu aviso que não é incômodo algum, que queremos vê-la, independente da previsão do tempo. Que queremos estar com ela. Mas ela diz que não precisa. E fico muito, muito irritado com isso. Sinto que minha mãe nos afasta. Não sei se nos considera um incômodo. Não sei se, ao dizer que não precisa de nós, no fundo está dizendo que não gosta de nós.
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“É o jeito dela dizer que nos ama, Marcos”, me diz minha esposa. “É o jeito dela demonstrar amor, evitando incomodar”, ela diz. Minha mãe tem uma forma peculiar de dizer “eu te amo”. Todos os pais têm. Todos os pais dizem “eu te amo” de alguma forma atrapalhada, e os filhos sempre entendem “eu te odeio”. Eles repetem “eu te amo”, do jeito que conseguem dizer, e os filhos repetidamente entendem “eu te odeio”. É assim que pais e filhos deixam de se falar pra sempre.
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Foi com esse sentimento confuso que almoçamos no sábado e, depois do almoço, minha mãe me chamou pra tirar uma foto. Eu estava (estou) bravo com ela. Por não nos acolher. Por não dizer que precisa da gente. Por não transformar seus momentos restantes em cenas de cinema, em que pais e filhos abrem seus corações e tudo parece que se resolve. Na foto, estou com uma cara mal humorada. Pensando agora, eu deveria tê-la abraçado.
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Deveria ter dito “mãe, eu te amo muito. Eu sou muito agradecido por tudo o que você fez por mim. Eu escuto ‘eu te amo’ quando você diz que não quer me incomodar”. Era isso que eu deveria ter dito. E aqui estou eu, um marmanjo de 42 anos, dirigindo na estrada e chorando, enquanto o rádio toca “uuuuuuuu, daddy you are a fool to cry. You’re a fool to cry. And makes me wonder why”.
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