Procrastinar pode ser a melhor opção: ter mais tempo pra pensar, não fazer nada, eleger ex-sonhos. Nosso tempo não é o tic do relógio, mas a batida do nosso coração. Procrastinação é uma palavra tão difícil de dizer que, quando estou falando na frente de outras pessoas, prefiro usar “deixar as coisas pra depois”. Você está no meio de uma pandemia, procas… porcasti… procastri… enfim, deixando as coisas pra depois, assistindo séries no Netflix, dando uma espiada nas redes sociais, vendo despretensiosamente um vídeo no YouTube e, três horas depois, não entendo o motivo de estar vendo um vídeo da cantora Joelma, ex-Calypso, levando uma sapatada na cabeça no meio de um show em Goiânia em 2005. Normal. Eu também já passei por isso.

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> Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante

A sensação é de estarmos no meio de algo que não podemos controlar, um navio gigantesco que leva a humanidade de um lado para o outro em um mar revolto, e nós, capitães da nossa própria vida, estamos sem o leme na mão. Em certo momento, a empresa diz que vamos voltar para o escritório; logo em seguida, não vamos mais. Em um momento, as escolas abrem; uma semana depois, fecham. Em um momento, vislumbramos a esperança da vacinação; dias depois, acabam os insumos. A desesperança vai nos invadindo e pensamos: “bom, quando o mundo se decidir faço alguma coisa com a minha vida”.

> Dia de praia! Vamos?

Minha vontade é deitar na cama e assistir filmes antigos em sequência comendo sorvete de caramelo. Tomar vinho antes do meio-dia, acordar depois das dez, dormir sem tomar banho pois ficou de pijama o dia inteiro. Lembra alguém? Lembra nosso eu desideal, aquele id que quer dormir, comer e beber, prazer imediato e dane-se o que a gente tem que fazer. E, afinal, o que a gente tem que fazer?

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Às vezes, passamos meses nos culpando por não estar lendo mais livros, fazendo mais cursos, praticando mais exercícios, brincando mais com nossos filhos. Mas pergunto: queremos mesmo fazer tudo isso ou é apenas nosso eu ideal, aquele que queremos mostrar pra nós mesmos (e para os outros!), nos atormentando? Sempre quis aprender a tocar piano, andar de skate, surfar e morar fora do país. Para cada um desses sonhos não realizados tenho uma desculpa. Mas, se não os realizei até hoje, será que quero mesmo? Será que não existe isso de ex-sonho? Será que não é mais saudável aceitar que nunca serei um skatista e dormir mais tranquilo com isso?

> Marcos Piangers assina o roteiro do filme “O papai é pop”

Temos todos que fazer muitas coisas – nossas urgências, nossas importâncias, nossas necessidades e nossos desejos. Talvez a desacelerada que o mundo deu seja também para que nós desaceleremos. Talvez seja hora apenas de descansar. De esquecer o ideal que queremos ser. De aceitar algumas preguiças.

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