Minha filha mais velha acorda cedo e arruma o cabelo. Considera um desrespeito com os professores não ligar a câmera de seu computador. É uma das poucas. Mantém o microfone ligado, sempre disposta a participar das aulas, e já aconteceu de minha esposa entrar no quarto dizendo “Anita, que quarto fedido!” e a turma toda ouvir. Ela não reclama de não poder ver os amigos – diz que as conversas no SpatialChat, no Discord, os filmes em grupo no Netflix Party e os jogos online com os amigos dão conta do recado. Fico impressionado com o esforço dos professores em ensinar à distância. Minha filha diz que 90% dos colegas desligam a câmera e voltam a dormir.
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Minha filha mais nova, no terceiro ano, se esforça para aprender multiplicação e geografia com todos os colegas de oito anos falando ao mesmo tempo nas reuniões virtuais do Zoom. As aulas acabam de forma abrupta, aos 40 minutos do uso gratuito da ferramenta. Aurora, que nunca teve acesso a tanta tecnologia, acabou se tornando uma pequena gerente de TI: acorda cedo e depois do café da manhã começa a responder suas mensagens de Whatsapp; combina uma reunião de Zoom para adiantar uma lição de matemática; conecta quatro colegas, cada uma em um lugar diferente do mundo, e elas compartilham suas anotações em um Paint Brush do próprio Zoom; diz coisas como “clica ali em ‘compartilhar tela’” ou “Isabela, você é a anfitriã da reunião, deixa o Theo entrar”. Esses dias, Aurora me disse: “Pai, não aguento mais. Estou estressada”.
Estamos todos estressados, mas ainda assim prefiro que as escolas não reabram. Minhas filhas não irão pra nenhuma aula presencial este ano, por respeito aos professores e servidores que, por algum descuido mínimo, podem ter a vida colocada em perigo. Nós, pais, precisamos ser compreensivos, continuar a pagar por um serviço aquém do que contratamos, especialmente porque temos empatia com as pessoas da escola que escolhemos para cuidar dos nossos filhos. Eles são nossa família também.
Minhas filhas não irão pra nenhuma aula presencial este ano, por respeito aos professores e servidores que, por algum descuido mínimo, podem ter a vida colocada em perigo.
As aulas à distância têm muito a melhorar. Consigo imaginar uma escola virtual com professores inspiradores, sala de aula invertida, ambientes virtuais interativos, óculos de realidade virtual e crianças construindo uma realidade paralela, dentro dos seus quartos. Não tenho medo da tecnologia, quando equilibrada com esporte, arte e céu aberto. Minha filhas ficam felizes quando estão jogando virtualmente com amigos, mas nunca as vi mais alegres do que quando estão correndo em um parque ou na praia, ou mesmo na escola.
Esses dias, em uma semana de recesso escolar, pegamos o carro e fomos até a praia. As meninas correram na areia pela primeira vez, depois de meses fechadas em casa por conta da pandemia. Pularam ondas, cataram galhos para desenhar na areia. Usaram os gravetos como se fossem lápis, brincando de fazer contas matemáticas. A pequena me ensinou a decompor os números para fazer soma e subtração.
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“Eu fazia de outro jeito”, contei pra ela.
“Pois é, agora é assim”, ela disse.
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