Um amigo de São Paulo, em quarentena dentro de casa com mulher e o filho, me conta que esses dias aconteceu pela primeira vez. Ao cair e se machucar, o filho pequeno levantou os bracinhos pra ele e quis colo, ao invés de pedir colo para a mãe, como de praxe. Me contou chorando. “Está acontecendo pela primeira vez do meu filho querer meu colo. Antes, ele sempre queria a mãe, não aceitava vir no meu colo, não me queria por perto na hora de dormir. Agora, está me aceitando”, me disse.
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Outro pai postou na internet: “minha filha sempre me desenhava pequeno, a mãe e ela grandes. Depois desse mês inteiro juntos, olha o que ela desenhou”. A foto mostra um desenho colorido, um pai e uma mãe do mesmo tamanho, a filha de mãos dadas com os dois.
Essa quarentena é medo, dor e sofrimento, sem dúvidas. Mas também pode ser cura. Tenho ouvido de pessoas que estão se reinventando. Introspectivos felizes, que não precisam de tantas interações sociais. Mulheres satisfeitas em não precisar se arrumar pro trabalho, sem salto alto e maquiagem, algumas evitando as dores da depilação. Workaholics alegres em casa, usando este período pra conexão familiar e reflexões sobre mudanças no ritmo de trabalho. Adolescentes que viviam nervosos, estudando de pijamas tranquilos, sem se preocupar com o que os colegas acham de sua aparência.
Workaholics alegres em casa, usando este período pra conexão familiar e reflexões sobre mudanças no ritmo de trabalho.
A quarentena é de luto pra todos nós, pois todos perdemos algo. Mas, para alguns de nós, há algo a mais. Há um tempo que estávamos precisando. Há a chance de reconectar com os filhos, de salvar o casamento. Há o repensar da carreira, dos valores, da vida.
Vale, inclusive, para aqueles que perderam o emprego, a empresa. Conta a história que o inventor Thomas Edison teve seu laboratório destruído por um incêndio em 1914. O desastre levou boa parte dos protótipos e experimentos de Edison, bem como um prejuízo de milhões de dólares não cobertos pelo seguro. Em entrevista ao New York Times, Edison disse: “Apesar de eu ter 67 anos, amanhã vou recomeçar tudo de novo”.
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Talvez seja um jeito de reinventar nosso mundo. Fazer da dor o início de uma transformação. Do medo, o desenho de uma estratégia. Dos erros, formas de aprendizado. Do aparente fim, um recomeço.
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