Minha mãe veio com esse papo, dia desses. Diz que quer que a gente toque a música Epitáfio, do Titãs, no enterro dela. Ela mesma começa a cantar, quando nos diz isso. “Devia ter amado mais, chorado mais, ter visto o sol…” e a gente grita: “nós sabemos como é a música, Eloisa”, mas mesmo assim ela se retira do cômodo cantarolando “devia ter aceitado… as pessoas como elas sããããooooo…”.

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Minha mãe fez uma escolha bastante óbvia, Epitáfio para ser o epitáfio dela. E além disso, a letra da música é cheia de arrependimentos. Acho que ela amou bastante e chorou bastante e viu o sol nascer muitas vezes. Mesmo assim, quer uma música que fala sobre ter vivido ainda melhor. Quer ir embora dando-nos uma lição de moral, me parece.


Cada um sabe como quer se despedir. Um funeral na Inglaterra fez sucesso na internet esses dias: o falecido havia gravado um áudio antes de morrer e pediu para tocarem na hora que o caixão descia os sete palmos. Era o som dele mesmo batendo em uma madeira e gritando: “Me deixem sair! Estou vivo!”. Uma última brincadeira, tão malvada com os presentes na cerimônia que, fosse eu um parente, pediria para tocarem a música “Highway to Hell”, da banda australiana AC/DC, como despedida.


Segundo o Google, a música mais tocada em velórios ao redor do mundo é My Way, de Frank Sinatra. Uma letra que fala exatamente o oposto de Epitáfio: “Eu amei, eu sorri e chorei. Tive minhas falhas, minha parte de derrotas. E agora, as lágrimas descem, eu acho tudo tão divertido”. É sobre uma pessoa que teve poucos arrependimentos e fez tudo o que podia para viver uma vida autêntica. 


Tentarei cumprir minha promessa de tocar Epitáfio na despedida de minha mamãe. Contudo, adoraria também entoar Você, do Tim Maia. Nenhuma mãe deveria morrer. Mulheres que tiveram o poder de gerar outra vida, mulheres que nos cuidaram, nos guiam e inspiram, deveriam ser eternas. Escrever sobre a despedida da minha mãe já me aperta o peito. Gostaria de tê-la sempre comigo. Escrevo isso hoje, como homenagem. Como um pedido para que não se vá.

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No funeral de minha mãe tocarei a música escolhida por ela. Mas também cantarei aquilo que sinto: “Não, não vá embora. Não, não vá embora. Não, não vá embora. Vou morrer de saudade”.

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