Minha mãe me perguntou como me sinto fazendo 40 anos hoje. “A impressão que tenho é que é mentira”, respondi. “É como se alguém me dissesse, um dia, que na verdade sou japonês ou canadense. Sinto que não é algo que pertence a minha concepção do que é ser eu mesmo”.

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Pode ser que eu seja narcisista ou uma daquelas pessoas ridículas que quer ser jovem pra sempre. Sinto que tenho uma visão de mim mesmo com cerca de 38 anos, permitindo-me até aceitar os 39. Mas 40? Parece que sou um desses jovens adultos grisalhos em uma propaganda de carro. Me sinto um ator daqueles que você assiste na televisão e sabe que ele mesmo se sente meio mal de ser velho, por isso tenta demonstrar uma certa juventude.

Fazer 40 anos, acho mesmo que é uma divisão, supondo que vou viver até uns 80 anos. A segunda metade da vida começa agora e, não me entenda mal, essa segunda metade não tem a aura da novidade. Até aqui eu me sentia confortável desafiando o sistema; agora, EU sou o sistema. Corro o risco, ao me manter um desafiante daquilo que considero ineficiente ao meu redor, de virar um senhor irritante, daqueles que a gente ignora e acaba ficando cada vez mais barulhento e amargurado. Não quero virar essa pessoa. Contudo, também não quero me acostumar com aquilo que acho que pode ser melhor no mundo.

Quero falar sobre um mundo melhor, com escolas melhores, trabalhos melhores, trânsito melhor, redes sociais melhores. Sinto, no fundo, um medo de me ver agora do outro lado, daquele lado que simplesmente não entende o mundo como ele realmente é. Os jovens aparentam ter uma clareza sobre os problemas do mundo. Eu era jovem até ontem, meia-noite.

Corro o risco, ao me manter um desafiante daquilo que considero ineficiente ao meu redor, de virar um senhor irritante, daqueles que a gente ignora e acaba ficando cada vez mais barulhento e amargurado.

Sinto como se estivesse em uma daquelas partidas de futebol informal, casados para um lado e solteiros para o outro, um time com camisa e o outro sem. Os solteiros jogam rindo, correm rápido. Os casados sentem dor nas costas, marcam um gol e contundem a coxa durante a comemoração. Sinto que, de uma hora pra outra, me colocaram no time dos casados sem que eu estivesse preparado. Sem nem que eu me SENTISSE casado. Mas sei que esta é a verdade objetiva e sei que deveria mesmo estar aqui, no time dos quarentões, a partir de agora. Tomarei muito cuidado com as costas.

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> “A parte mais angustiante do momento que estamos todos vivendo juntos é que ele não parece ter um fim”

Prevejo o que acontecerá nos próximos anos. Me acostumarei com a idade e com a realidade do meu corpo e mente. Encontrarei a paz com a ideia de ser quem eu sou. Continuarei olhando o mundo com senso crítico e, provavelmente, terei mais clareza sobre as coisas. Olharei, daqui a alguns anos, para os jovens com desdém, pois não sabem de nada e querem mudar o mundo. Imagino que direi pra mim mesmo, quando alguma criança de trinta e tantos anos escrever sobre a angústia de envelhecer: “Coitado, não sabe de nada. Fazer 40 anos é tão bom”.

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