Minha filha acorda todos os dias às 9h. Escova os dentes, vai até a cozinha, começa a comer os pedaços de maçã que cortei pra ela. “Alexa, toca Xote da Alegria”, ela diz. Redescobrimos essa música assistindo “As Aventuras de Poliana”, que agora está no Netflix. A máquina reproduz o forró e minha filha começa a cantar junto. “Se um dia alguém mandou ser o que sou e o que gostar, não sei quem sou e vou mudar”, ela canta. Ouvimos umas seis, sete, oito vezes até ela decorar a letra e enquanto a gente fazia isso, dançávamos.
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Dançávamos, cantávamos, ela com um copo de leite e eu com minha caneca de café na mão. E enquanto dançávamos, ela ali e eu aqui, fechei meus olhos e estava no forró na Lagoa da Conceição, 20 anos atrás. Era virada do século e eu tinha só 20 anos.
Recém tinha entrado na universidade. Havia um forró muito popular em um bar chamado La Pedrera. As pessoas pagavam R$ 5 pra entrar, se não me engano. Reunia todo tipo de gente, todas as meninas universitárias recém mudadas para a cidade, todos os meninos mais malandros e relaxados, todos os nativos e os turistas, em noites que acabavam perto das 6h.
Naquela manhã, ouvindo forró com a Aurora, lembrei que tive um dia 20 anos, com a cara cheia de espinhas e o cabelo comprido, profundamente inseguro e ao mesmo tempo altivo, como todos os jovens são. Eu era um adolescente bobo e não sabia dançar, nervoso demais pra convidar qualquer menina pra formar uma dupla.
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E o Marcos de hoje, dançando na cozinha com a filha, sentiu pena do Marcos de ontem, se arrependeu de ter sido tão retraído, tão inseguro, tão preocupado com o que os outros vão pensar. Se arrependeu de não ter dançado, rido, bebido, passado vergonha, aprendido a dançar forró com gente estranha, esquisita e suada e bêbada, conhecido todas as meninas recém mudadas para a cidade, se arrependeu de não ter sido um garoto mais leve, mais alegre, mais despreocupado com tudo. Se arrependeu dos nãos que disse, há vinte anos, e há dez anos, e há dois dias.
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Então, Aurora pediu pra ouvir a música mais uma vez. Acredita que agora decorou a letra completa. Inventa uma dança com as mãos abertas e expressões faciais, abre os braços e pisca os olhos, interpretando cada frase da música.
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Canta, como se cantasse pra mim: “Pra que chorar suas mágoas, se afogando em agonia? Contra tempestade em copo d’água, cante o Xote da Alegria a a, ê ê. Derunde dederunde dederunde dederunde”.
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