Meu último jantar com amigos fez um ano. Eu e a Ana estávamos em São Paulo para um evento da Associação de Advogados que celebrava o mês da mulher. Demos a palestra e pegamos um uber até um restaurante italiano moderninho, que achamos meio metido a besta. Já estavam lá o Merigo e a Ju e a Bia e o Bob. Pedimos um vinho branco e comemos pão artesanal metido a besta até alguém ter a ideia de pedir comida. Acho que pedi um nhoque, mas não tenho certeza. A Bia nos contou sobre como considera essencial colocar um band-aid no umbigo antes de dar palestras, pois é uma proteção incontestável para inveja e mau-olhado. O Bob nos disse que achava o Instituto Inhotim caretérrimo e eu dei risada. Nunca tinha conhecido ninguém que achasse Inhotim cafona. Lembro da Ju nos contar as novidades das crianças e do Merigo ficar apavorado com a conta no final da noite. Nos despedimos com abraços apertados, perto das duas da manhã. Pegamos nosso pré-antepenúltimo uber, direto para o hotel, antes de tudo mudar. 

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Faz exatamente um ano que acordei cedo no hotel e peguei meu antepenúltimo uber, até um estúdio para conceder minha última entrevista presencial. Voltei ao hotel, em meu penúltimo uber, onde fiz minha última reunião presencial e almocei em um restaurante por quilo ao lado do hotel, meu último almoço em restaurante buffet. Lembro das notícias já falarem dos perigos de aglomerações. Lembro que senti receio de comer a maionese. Tomei água. Chamei meu último uber para ir até um prédio muito chique, onde dei uma palestra para cerca de duzentas pessoas, da qual saí correndo para pegar um carro executivo até Itú, no interior paulista, onde dei outra palestra, desta vez em um hotel daqueles que têm campo de golfe. Na saída, o carro executivo me levou até o aeroporto de Campinas, rumo à Brasília, onde desembarquei perto da meia noite.

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O organizador da palestra brasiliense não tinha o semblante feliz. O governador do Distrito Federal acabara de cancelar todos os eventos com público superior a cem pessoas. Portanto, minha palestra que aconteceria no dia seguinte estava cancelada. Fomos até o hotel e, de lá, comprei a primeira passagem de volta pra casa. Fiquei com medo de fecharem o aeroporto e eu ficar em Brasília por muito tempo. Era quatro da manhã do dia 13 de março de 2020, uma sexta-feira 13, quando embarquei pela última vez em um avião. Lembro de olhar ao redor e me sentir em um daqueles filmes em que você sabe que o mundo está prestes a mudar, mas as pessoas ao redor ainda não fazem ideia.

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Em casa, abraçado nas minhas filhas, vimos as aulas serem canceladas, depois as palestras previstas para 2020, depois os shows que já tínhamos comprado ingresso, depois os planos de viagens. A vida como conhecíamos foi cancelada. Construímos, então, uma nova vida: eu, a Ana e as meninas, acordando juntos, tomando café, fazendo exercícios, tentando trabalhar/estudar, jogando jogos de tabuleiro, montando quebra-cabeças, resolvendo cubo mágico, aprendendo a plantar manjericão, rabanetes, alface e batata doce (mas jamais tivemos capacidade de fazer viver um alecrim). Estamos há um ano sem restaurantes, hotéis, aviões, ubers e jantares com amigos. Minha filha mais velha já chorou bastante, mas ultimamente tem rido madrugadas adentro conversando com amigos pela internet. Acho que os jovens estão se acostumando. Me perguntou o que eu sinto mais falta, “de gente, de shows, de viagens, de pessoas”, respondi. Ela disse que sente falta de conhecer gente nova. 

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Minha filha mais nova estipulou como meta para 2021 aprender a falar inglês. Está cansada de ser a única da casa a não entender as séries do Netflix. Esses dias, no café da manhã, estávamos só eu e ela. Me perguntou: “quando eu fizer 18 anos a pandemia já vai ter terminado, pai?”. Respondi que sim, é claro que sim, filha, claro que sim, muito antes, com certeza, logo logo. Ela ficou me olhando séria, como se, de alguma forma, desconfiasse que o pai, que sabia sobre tudo até o ano passado, agora não tinha mais certeza de nada.

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