A mãe passou o dia todo preparando o jantar – na verdade, passou os últimos três meses: planejou o que faria, fez ligações aprovando o cardápio com toda a família, calculou o preço do peru, viu receitas do arroz com legumes e nozes no YouTube, comprou garrafas de champanhe, suco de uva branca para as crianças. Quando a família começa a chegar ela já está exausta. Recebe todo mundo com sorrisos, mas logo começa a bater as portas do armário da cozinha pra ver se alguém se dispõe a ajudar. Plá! Plá! Plá! “Mãe, quer ajuda?”, pergunta algum. “Não”, ela responde, não precisa de ajuda nenhuma, claro que não, imagina, “só me ajuda com os copos aqui, separa os talheres, verifica a batata no forno e coloca o frango na mesa”.
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Chegam todos, menos o genro. Liga pra ele trazer mais gelo e mais vinho. Do jeito que bebem nessa família vai acabar logo essas garrafas. O assunto vai para o preço da carne. Quem mandou votar nesse cara? Ah, bom era o Brasil quebrado. Quebrado, mas com mais dignidade. O comunismo acabou com esse país! “Vamos parar de falar de política”, avisa a mãe. “Isso aqui é uma reunião de família. Vamos falar de coisa boa!”, ela diz, para ouvir de algum engraçadinho “vamos falar de Top Therm!”. Ninguém ri.
Chega o genro sem trazer o gelo nem o vinho. Vamos comer que estou morrendo de fome! “Não vai ter carne assada, vó?”, pergunta uma criança desavisada. “A carne está muito cara”, responde a vó. “A gasolina também!”, diz outro. “E o dólar!”, mais alguém. “Quem mandou votar nesse cara?”. Já falei pra não falar de política! Vamos comer. Senhor, obrigado por esse alimento. Obrigado por estarmos juntos. Obrigado por estarmos saudáveis. Amém. Amém. Amém. Alguém corta o frango. Crianças, sentem direito! Não é pra comer com a mão.
Atende o interfone que é o entregador. Alguém avisa os adolescentes que não pode usar celular enquanto come? E o trabalho como está? A empresa está se recuperando. Ano que vem o Brasil entra nos eixos. Só se tirarem esse cara. Para de torcer contra, rapaz. Vamos dar uma chance. Já falei pra não falar de política. Mas mãe, ano que vem tem eleição. Só vai ter eleição se isso aqui não virar uma ditadura! PAREM DE FALAR DE POLÍTICA AGORA! Tá bom. Tá bom. Tá bom. O frango está ótimo. Que bom que estamos juntos, pessoal.
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