Descolei uma pipa e fui com minha pequena para um terreno baldio. Ficamos até o anoitecer conversando, rindo e empinando pipa. Um desses momentos gostosos que nos salvam por algumas horas das dezenas de preocupações atuais.
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A parte mais angustiante do momento que estamos todos vivendo juntos é que ele não parece ter um fim. Estamos acostumados com histórias com começo, meio e fim. A mitologia, o teatro grego, Shakespeare, os contos de fada e as fábulas dos irmãos Grimm. Começo, meio e fim.
Aos que começaram a nos contar esta história (os governos, a ciência, a imprensa), pedimos a narrativa completa. “Teremos as contaminações, teremos as mortes, teremos a vacina, voltaremos ao normal”. É isso que queremos, e queremos com data e hora marcada. “Teremos o pico em julho, a vacina em outubro, a imunização mundial em dezembro”. Queremos isso. Nosso cérebro (e nossos negócios) pede uma previsibilidade, uma narrativa compreensível, mas ela não vem. Um dia o pico é em abril, depois maio; um dia fecha tudo, no outro abre, depois fecha de novo; um dia não precisa máscara, agora o uso é obrigatório; vivemos exaustos com outras pessoas nos dizendo – e contradizendo – o que devemos fazer.
Aos que começaram a nos contar esta história (os governos, a ciência, a imprensa), pedimos a narrativa completa.
O resultado é que nos imaginamos no passado (“como era bom ir pra um bar beber cerveja e conversar!”) ou no futuro, contando aos netos o que passamos. “Em 2020 passamos por uma pandemia”, já me imaginei contando, de casaco de lã, os netos sentados no chão da sala. Desse jeito, conseguimos imaginar um fim. Uma história com final feliz.
Mas quando vivemos no passado, vivemos deprimidos. Quando vivemos no futuro, vivemos ansiosos. O presente é angustiante porque é imprevisível. Nossa fisiologia jamais ficará confortável sem a segurança da previsão. Estamos, portanto, condenados à exaustão mental.
Como as pessoas têm sobrevivido? Livros, seriados, videogames (histórias com começo, meio, e fim!), contato com a natureza, esportes, meditação, qualquer atividade que nos coloque no que o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi chamou de Flow: um estado mental que nos tira do passado e do futuro e nos coloca prazerosamente no presente. Para alguns é cozinhar, pra outros andar de bicicleta. Pra uns é pescar, pra outros escrever um romance. Jogos de tabuleiro, construir algo com madeira. Qualquer coisa que nos tire da angústia do futuro e da imprevisibilidade da vida. E nos permita, pelo menos por alguns momentos, voar.
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