2020. Parece ano de ficção científica. E, quem diria, aqui estamos nós, não com armas de raio laser ou carros voadores, mas com veneno no ar e máscaras e medo. Vinte vinte, 2020 para os íntimos, dois mil e vinte para aqueles que já não o aguentam mais, será um daqueles anos lembrados nos livros de história e atestado por nós, sobreviventes, que em nossas histórias para os netinhos aumentaremos tudo em dez vezes.
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“Ninguém saiu de casa por dez meses!”, diremos. “Os hospitais ficaram lotados! Se você fosse até a esquina comprar um pão, poderia morrer!”, contaremos. Um avô mais exagerado dirá: “Alguns maridos até lavaram a louça do almoço durante a quarentena!”. Os netos dirão: “oooooohhhhhhh”.
2020 foi o ano em que descobrimos que tudo o que achávamos que era natural não foi. Pegar um ônibus virou uma aventura nervosa. Fazer compras no supermercado, uma operação de guerra. Assistir um show abraçado com os amigos, cantando alto suas músicas favoritas, um sonho distante.
2020 foi o ano que experimentamos o famoso home schooling. Espalhamos cartazes coloridos pela casa, com regras de português e matemática. Aqui em casa, um horror: duas meninas quase foram expulsas e um professor deu aulas alcoolizado. Descobrimos que muitas vezes não temos a paciência dos professores, a metodologia, a pedagogia, e nem lembramos mais o que são as expressões algébricas ou as características do Reino Fungi.
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2020 foi o ano que trabalhamos de pijama. Que acordamos cinco minutos antes da reunião. O ano em que trocávamos as camisas, mas mantínhamos um mesmo moletom por meses como a parte de baixo. Foi o ano em que conhecemos os tetos das casas dos nossos colegas de trabalho. Uns têm gesso, outros iluminação embutida, outros luminárias suntuosas. Nos acostumamos a conversar com silhuetas escuras, aqueles colegas que fazem reunião na contra-luz da janela. A frase mais dita do ano? “Tá mudo”.
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2020 foi o ano que tivemos medo de perder tudo. O emprego, a família, a saúde. Foi o ano que descobrimos que somos melhores do que pensamos. Reaprendemos expressões algébricas e características do Reino Fungi. Toleramos interrupções de crianças nas reuniões profissionais Respeitamos o distanciamento e a máscara, porque sabemos que proteger os outros é importante. Amamos mais nossas esposas, reforçamos nossos casamentos, inventamos brincadeiras e passatempos com nossos filhos. Nos transformamos em heróis, da mesa da sala. Protetores do mundo inteiro, deitados no sofá.
“Vencemos juntos um vírus mortal!”, diremos para nossos netos. E eles dirão: “Oooooooohhhhhh”.
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